Era uma vez… depois duas, três

A cada 7,2 segundos uma mulher é vítima de violência física no Brasil, segundo dados do Instituto Maria da Penha. Esse é só mais um relato, dessa vez sem registro de ocorrência

Era madrugada quando o barulho do quarto da frente cessou e a cachorra foi ao meu quarto arranhar a porta. Talvez esse fosse o sinal de que alguma coisa estivesse errada. Estava.

O abrir a porta foi tão rápido que quando me dei conta estava no quarto da frente. Preferia não estar, mas precisava estar. Meus olhos viram algo parecido com um estrangulamento, mas ao chegar, ele parou.

Lembro de arregalar o olho e dar um passo para trás. Em seguida, estiquei a mão e pedi para parar. Ele estava em cima dela, dessa vez com a mão em sua boca e repetia: “Só estamos conversando, pode voltar para o seu quarto”. Eu não sabia o que fazer. Talvez a idade me fizesse inocente, mas aquela visão me trouxe a maturidade.

Repetia “Solta ela” cada vez mais alto. A garganta já implorava para eu parar, mas eu não podia deixar aquela “conversa” vingar. Ele soltou! Saiu de cima dela e dessa vez cansou sua voz gritando e xingando. Ela levantou. Queria colocar eu e as meninas para o quarto. Não era possível! Ele já estava colocando-a contra a parede.

Minha irmã pulou em suas costas para separar os dois e deixou marcas nele que duraram dias em sua pele através de suas unhas. Espera! Acho que eu to me confundindo. Esse episódio foi quando eu cheguei da igreja com meus avós e guardei na lembrança o que não queria ver de novo. Ou talvez isso aconteceu naquele agosto que tudo mudou quando ele quis derrubar a porta do quarto com os seus chutes. Talvez tenha sido no dia em que ele a empurrou da cadeira e bateu sua cabeça na dela repetidas vezes, gritando.

Eu não sei! Eu não sei mais a ordem cronológica das coisas. Às vezes as memórias embaraçam na minha mente e me trazem o transtorno de ter presenciado isso tantas vezes. Mas ele nega, sempre negou. E ela chora, mas nunca se queixou. Medo, eu digo que sim. Coragem? Como ter quando a polícia diz que não o levaria preso enquanto um membro do corpo dela não estivesse quebrado? Talvez largar tudo seja a opção, e isso também é coragem. Afinal, a paz que preenche o coração não vem através de uma agressão.

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