Papai, pesquei um sonho!

Não brinque com os sonhos de uma criança. É meio brega dizer que eles são as sementes do futuro, mas é a mais pura verdade.

De duas coisas me lembro muito bem: eu adorava pescar e ler livros. Na minha cabeça, as duas eram muito heróicas. Heróicas? Sim, heróicas. Entre páginas, eu podia viver mil mundos diferentes, e ser a protagonista de todos eles, geralmente alguma guerreira élfica ou uma arqueira espiã. Nada mais que fantasias e sonhos delirantes. O mais perto que eu estaria de realizá-los seria na ponta de um lápis. Mas a pescaria? Ah, essa não precisava de imaginação. Não é uma atividade tranquila como a maioria pensa. Podem ser horas de espera paciente recompensadas em alguns segundos de viva adrenalina. É você ou o peixe, numa luta épica de caça e caçador. Acredite: é viciante! Uma coisa especial sobre minhas pescarias, era o meu momento com papai. Ele sempre estava do meu lado e tínhamos longas horas da companhia um do outro, muitas vezes em silêncio. Era a melhor parte.

Só que eu precisei provar minha paixão pela pesca antes. E é essa história que eu quero contar. Eu devia ter uns 9 anos. A mais velha de um bando de projetinhos de gente, que incluia meu irmãozinho. Nas férias costumávamos ir para a casa de interior de uma das meninas, onde tinha nada mais, nada menos que um lago cheio de peixes. Um dia, concluímos: queríamos pescar. Não ter vara, linha ou isca, era coisa pouca aos nossos olhos. Fizemos uma rapa no condomínio. No bosque conseguimos um galho enorme e grosso. Flexibilidade? Que nada! Precisava era de comprimento e ser forte o suficiente para não quebrar. Uma pipa caída em algum canto nos emprestou sua linha e uma vizinha, o anzol. A isca foi as sobras do café da manhã, cedidas com um sorriso condescendente.

Eram umas 10h da manhã, quando os pescadores profissionais, com varas chiques e iscas de ponta, viram um bando de pirralhos subindo a colina carregando o pedaço de uma árvore e linha de pipa. Nos instalamos num ponto favorável e lançamos nossa isca. Por longas horas perseveramos ali. O almoço veio e passou. Metade do grupo desistiu e foi se pendurar nas árvores de jabuticaba. Eu fiquei ali. Junto com uma amiga de nome peculiar, Estrela. Nos revezavamos na “vara” e no pão velho que nos alimentou mais do que aos peixes. Foi quando o esperado inesperado aconteceu. Estava de cabeça baixa, curtindo minha decepção infantil, quando eu escuto o grito desesperado da Estrela:” Alguém me ajuda!!!”.

Como num passe de mágica, todas as outras crianças brotaram das redondezas e corremos para lutar pelo nosso prêmio. Eram cinco pitocos de gente, quase caindo na água, agarrados num galho de 8 cm de grossura tentando puxar um peixe de dois quilos. E gritando. Muito.

Era um belo tambaqui. Puxamos o bicho pra fora da água, mas não conseguimos tirar o anzol de dentro dele. E o desespero. Foi o bando correr atrás de um dos pescadores de verdade com o peixe moribundo melequento na mão. Ainda bem que ele salvou o peixe e o devolveu para a água, ou a nossa pescaria teria sido um pouco mais trágica.

A melhor parte foi a cara dos outros pescadores. E dos nossos pais. Incredulidade (mais um pouco de inveja, talvez?) dos primeiros e incredulidade com orgulho, dos últimos. Para nós? Pleno contentamento.

Não sei como foi para os outros, mas para mim foi uma experiência ímpar. Tão única que, logo pisei em casa, peguei o lápis e o papel. Minha primeira história. Uma menininha de cabelos negros narrando sua saga. Para completar, passei para o computador (ainda era aqueles de tubo) e peguei uma foto da internet de um tambaqui. Imprimi e fazia questão de mostrar para todos que iam nos visitar. Afinal, era a realização do meu sonho de ser protagonista de uma grande aventura.

Foi a primeira de muitas pescarias e também o começo do meu gosto por escrever. Gosto que nunca perdi, como o leitor pode perceber. Não só curto, como é o que molda meu futuro. Mas não pensava nisso na primeira vez. Acho que toda criança é uma caixinha de possibilidades e que os sonhos são o combustível que as move. Bem melhor do que brincar com os sonhos de uma criança, é brincar com a criança de sonhar.

Foto: Luke Brugger

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