Sobrevivência ambulante
“A CPTM informa: não incentive o comércio ilegal”, é a fala eletrônica que ecoa pelos vagões do trem de São Paulo, ao mesmo tempo que os ambulantes – ou marreteiros, como eles se autodenominam – anunciam sua mercadoria independente da hora do dia. Um deles até para ao ouvir o anúncio: “Não deem ouvidos a essa voz. É só um robô que não tem coração ou família para alimentar”, é a resposta revoltada do vendedor.
Certo ou errado, o comércio ambulante é reflexo da situação econômica do país. Segundo o IBGE, o primeiro trimestre deste ano fechou com 13,1% de desempregados, o que em relação ao ano passado, corresponde a 1,4 milhões de desempregados a mais. “A necessidade que a gente passa, com esse desemprego grande no Brasil, leva a gente a se sujeitar a qualquer coisa para conseguir levar o pão de cada dia para as nossas casas”, diz Valter, de 35 anos, que a pouco mais de um ano trabalha como ambulante.
Sem formação acadêmica, Valter diz que já trabalhou como ajudante de obra, auxiliar de limpeza, “o que aparece”, segundo ele. “A gente sai para entregar currículo e não consegue emprego, gasta com passagem e vai gastando o que não tem, então a gente precisa fazer o que encontra no momento”, explica. O seu produto são balinhas, como halls, mas conta que cada mercadoria tem uma hora certa para ser vendida. “Chega o meio-dia, o produto tem que mudar, porque o povo quer mais comer batata, salgadinho. Essas balinhas, só dá até umas 11h”. Por mês, o ambulante ganha quase um salário mínimo, descontando os preços de passagens. “A gente só não pode ficar perdendo mercadoria pros guardas. É o trabalho deles, mas não é bom para nós. Se descontassem 100 reais do salário deles, eles não iam gostar, é a mesma coisa”, conta.
Raimunda é uma ambulante veterana que há 16 anos trabalha vendendo chocolate e água nos trens. Ela tem suas técnicas para manter os produtos: “A primeira vez que eu fui vender, os guardas tomaram minha mercadoria e eu comecei a chorar, era bem a semana de mandar dinheiro para o meus filhos. Hoje quando eles vêm, eu corro, me escondo. Já conheço todos, não dou trabalho. Tem aqueles marreteiros que gostam de provocar os guardas, eu não. Se você respeita o serviço do cara, ele tem que respeitar o seu. É ilegal? É. Mas a gente tá aqui porque precisa”.
A vendedora diz que veio da Bahia para trabalhar em casa de família, mas era explorada. “A mulher achava que porque eu vinha da Bahia era besta. Ela pagou a passagem, descontou do salário e queria me dar 100 reais para limpar, passar, cozinhar e cuidar da menina dela. Assim não dava. No caminho para o trabalho eu via o povo vendendo no trem e fui também”, conta. Hoje consegue tirar R$ 100 por dia e foi com esse dinheiro que conseguiu criar os quatro filhos. Conta também que a situação mudou muito ao longo dos anos: “hoje tem muito mais marreteiro do que antigamente”.
Embora, o comércio ambulante tenha sido sua salvação e de vários outros que circulam nos trens, os passageiros nem sempre aceitam com tranquilidade a atividade, como nos conta Beatriz, de 16 anos. “A gente chega do trabalho estressado, entra no trem e tá essa bagunça. Parece um feira. As vezes é bom, porque eles passam vendendo coisas que a gente precisa. Eu não sou a favor e nem sou contra, mas incomoda”, relata. Valter, por outro lado, diz: “Eu não me envergonho do que faço, porque todo trabalho é digno. Só não é digno ficar mexendo nas coisas dos outros”, conclui.
Foto: Frederik Trovatten