Cara a Cara: Dora Morelenbaum
A musicista Dora Morelenbaum expande os horizontes em sua obra autoral “Vento de Beirada”
Um projeto musical que percorre o tempo e o espaço pela subjetividade das entrelinhas. O EP “Vento de Beirada”, lançado no último mês, da cantora e compositora carioca de 25 anos, Dora Morelenbaum, marca a estreia de suas composições nas vozes do público. Filha da cantora Paula Morelenbaum e do violoncelista Jacques Morelenbaum, Dora relembra momentos marcantes de sua trajetória cercada de arte, a imersão na genialidade de suas principais influências e o caráter essencial dos caminhos cruzados com outros artistas em entrevista que concedeu ao Portal WHIZ.
WHIZ: Dora, a sua relação com a música é de longa data, mas qual foi o momento em que você percebeu que gostaria de seguir o caminho profissional?
Dora: Eu sempre soube que esse seria o caminho. Mas, acho que o meu clique foi sobre o momento certo para começar a gravar as músicas. Um clique que deu quando eu comecei a compor e a aceitar essas composições. E aí, acho que a questão da carreira foi se formando dentro de mim e fora também, quando as pessoas foram entendendo isso. Porque acho que fazer música dá muita vontade de dar lugar no mundo para elas e a composição vai além da própria canção. Então, a minha vontade de dar continuidade para essas músicas além de mim foi o clique para eu seguir realmente esse caminho.
WHIZ: O EP “Vento de Beirada” percorre por diversos caminhos e influências. Quais são as suas principais inspirações?
Dora: O álbum “Vento de Beirada” tem muitas referências. Ele pesca de vários lados, tanto lado das canções, quanto de som e de estética. Mas, acho que as principais canções que geraram as músicas foram as de Milton Nascimento, em Clube da Esquina – tenho muito uma ligação com a música mineira – também faço referência a Ryuichi Sakamoto, que foi muito importante na minha formação musical. Na verdade, essas músicas foram todo esse caminho da minha formação musical aglutinada. Além de englobar, com certeza, Tom Jobim e todos os deuses e deusas na nossa música brasileira.
WHIZ: Você escolheu “Japão” como introdução da fase. Como essa faixa reflete na sua história com a música?
Dora: O EP foi um pouco dessa concretização de levar para frente as composições que eu estava fazendo, e “Japão” foi uma das primeiras. Uma das primeiras músicas que eu fiz, admiti, acreditei e comecei a vislumbrar um caminho para ela. E fala também sobre essa pesquisa, entre essas referências, ouvindo e crescendo com isso. E não somente referências musicais, como também da minha criação, como pessoa e mulher no Brasil, principalmente minhas origens, o que isso significava e onde poderia chegar à música. A canção fala um pouco desse momento, por isso eu quis abrir esse caminho com ela, já que me abriu vários caminhos.
WHIZ: Na sua infância rodeada de musicalidade, você se lembra de algum momento marcante que contribuiu com o seu trabalho hoje?
Dora: Acho que não vou dizer nenhum momento específico, mas tiveram muitos. Desde muito pequena, acompanhei meus pais em viagens de trabalhos e shows, e fui absorvendo muito isso. Eu me lembro, tanto os shows com o Sakamoto que eu participava, pequenininha, com 4 anos ia dar canja no final do show. Também todos os shows que eles tocavam com Tom Jobim, acho que todos esses momentos contribuíram absolutamente e foram a minha escola, praticamente a mais importante. Foi o ouvido atento e presente nesses momentos, que tive a oportunidade e o privilégio de escutar, no trabalho deles e em casa, referências maravilhosas.
WHIZ: Os arranjos de cordas foram uma consequência natural que você sempre enxergou nas suas composições? Como foi o trabalho ao lado do seu pai?
Dora: O arranjo de cordas para “Dó a Dó” surgiu da seguinte maneira: quando eu fiz a música com o Tom Veloso, nós dois sentimos esse caminho claro da canção clássica, que pedia muito de cara um arranjo de cordas. Logo depois de compor, mostrei a música para o meu pai e ele também foi um dos primeiros a me dar uma força para gravar. Então, foi tudo muito natural, ele topou fazer o arranjo e adorou a música. Sempre desde pequena, meu quarto era do lado do estúdio do meu pai, eu vivia escutando os arranjos que ele fazia. Acordava e dormia escutando. Agora foi igual, acordei e fui dormir escutando o arranjo de “Dó a Dó” e foi muito especial me ouvir no estúdio dessa vez. Foi maravilhoso poder trabalhar ao lado dele e com o Tom também.
WHIZ: Seu crescimento ao lado de outros grandes nomes, como Tom Veloso, Zé Ibarra, Julia Mestre e Lucas Nunes possibilitou uma série de parcerias. Como é para você essa troca de experiências com outros artistas?
Dora: Pois é, eu disse antes que a minha escola de música tinha sido quase exclusivamente todas essas viagens e as referências com os meus pais. Mas, na verdade, a segunda escola de música mais importante da minha vida foi a convivência com todos esses amigos, que eu fiz na escola e eram uma coisa mais próxima de mim, essa canção que eu admirava ao meu alcance. E é muito bom crescer ao lado de pessoas que eu admiro tanto, podendo trocar e fazer parcerias. Além de estar ao lado de pessoas que também acreditam no seu trabalho e topam a troca. Até porque ninguém faz música sozinho e tudo se enriquece com essas parcerias.
WHIZ: Você também assina a produção do clipe de “Dó a Dó”. Como foi esse processo de expandir a dimensão da linguagem visual em uma de suas composições, ao lado de Tom Veloso?
Dora: O processo do clipe de “Dó a Dó” foi muito gostoso. O Miguel Góes, artista da banda Dônica, também é diretor de cinema. E ele sempre gostou dessa música, então, quando eu comecei a pensar em fazer um clipe, de cara tive a ideia de chamar ele. A gente não quis ir muito além da ideia própria da canção, por haver muita força só nela. Então, a ideia foi traduzir da forma mais simples possível o que a canção dizia em imagem e cenário. Contei com a participação muito importante de uma super amiga e artista visual, a Joana Uchôa. Ela me ajudou muito na criação do cenário, o qual falava de memórias guardadas e de uma história que já tinha passado e como isso foi se ressignificando e se apagando ao mesmo tempo. Foi muito interessante ver a subjetividade invisível que a música se permite ter, se traduzido em imagem. Ver a música acontecendo foi muito legal. Trabalhei só com amigos e pessoas que eu admiro muito e foi maravilhoso.
Que sensacional!!
Amei a matéria, muito inspiradora, principalmente pensando em como as pessoas à nossa volta são as principais contribuintes para o nosso aprendizado. Parabéns!
Arrasou! Ótimas perguntas. Parabéns!!!