Entre dois mundos: surrealismo e guerra na moda de Elsa Schiaparelli

O retrato de uma vida artística e sua influência transgressora na moda

Elsa Schiaparelli foi uma mente brilhante e indomável do século XX. A estilista italiana, apesar de ser conhecida principalmente pelo seu trabalho na indústria da moda, foi uma das vozes mais proeminentes do movimento surrealista da década de 1930. Mudou-se para o epicentro fashion Paris, dividiu conhecimento com artistas como Salvador Dalí e Jean Cocteau, e direcionou criativamente sua maison para a atemporalidade.

Mas para entender sua importância, é necessário voltar ao início. Schiap – como foi apelidada – sempre foi envolta de luxo e misticismo. Nasceu em 1890, meados da Belle Époque, no Palazzo Corsini, em Roma. Sua família era abastada, com ligações na política, ciência e aristocracia, possibilitando que Schiap desenvolvesse seu senso artístico e direcionasse sua criatividade para o mundo da fantasia.

Em sua autobiografia (Shocking Life, de 1954), ela conta que quando criança, colocava sementes em seu rosto na esperança de que um jardim se formasse ali. Inventiva e com certo espírito revolucionário, Schiap ansiava por novas perspectivas, questionando o porquê de cada convenção, fato esse que não agradava seus familiares conservadores.

Após formar-se no curso de Filosofia da Universidade de Roma, sua vida tomaria um novo rumo. Fugiu para Londres, se casou e se divorciou, teve uma filha e se mudou para Paris. Essa última afirmação se faz da maior importância, já que a cidade foi o ponto de encontro de Schiaparelli com a moda.

Por causa de Paul Poiret, importante estilista para a moda moderna, Schiap começa a desenhar seus primeiros croquis e se apaixona pela arte de criar roupas. Abre sua maison em 1927, e nos anos seguintes colhe os frutos de suas sementes plantadas desde a infância. Os negócios prosperavam, mas a humanidade sofria do grande mal à espreita, a Segunda Guerra Mundial. Em 1940, a guerra já havia sido declarada e o medo era constante.

Como resposta, Schiaparelli junta forças com Salvador Dalí e cria modelos que chamem atenção para o perigo iminente. O Vestido Rasgado (Tear Dress) tem influência da obra de Dalí (Três Jovens Mulheres Surrealistas Segurando em Seus Braços a Pele de uma Orquestra, de 1936) e muitos acreditam ser uma resposta-alerta tanto para Guerra Civil Espanhola, quanto para a propagação do Fascismo na época. Outra criação importante foi o Vestido Esqueleto (Skeleton Dress, de 1938), também em conjunto com Dalí, a peça alude à extrema magreza causada pela fome.


Esses atos considerados rebeldes, de denúncia da guerra e crítica ao conservadorismo, contribuíram para que Schiaparelli fosse acusada de ser uma espiã, mesmo já tendo sido erradicada francesa. Mudou-se às pressas para os Estados Unidos, mas decidida a ajudar, parou de criar roupas e dedicou seu tempo e dinheiro com palestras e doações que fortalecesse os laços entre Estados Unidos e França. Organizou doações em dinheiro e em materiais que ajudassem crianças francesas e fez parte da Cruz Vermelha Americana como enfermeira.

Após a França ser desocupada, Schiaparelli volta para Paris e encontra uma moda completamente diferente – roupas usuais em detrimento de roupas extravagantes, já que as mulheres durante a guerra entraram de vez no mercado de trabalho e suas roupas se adequam ao ambiente mais acelerado e prático. A maison buscou trazer a regência à tona, com saias longas e mangas caídas, mas sem sucesso. E em 1954, as atividades da marca se encerraram.

A moda luxuosa e vanguardista de uma mulher à frente de seu tempo havia caído no ostracismo, permanecendo nas sombras por mais de 60 anos. Porém, em 2012, a maison Schiaparelli foi reaberta, com o intuito de estimular e transgredir as regras fashion novamente. As peças são assinadas por Daniel Roseberry, que diz o quanto Elsa Schiaparelli refletia “o caos e a esperança da era turbulenta em que ela viveu”.

A criança que sonhava acordada, com universos paralelos e criações mágicas, encontrou alento em ser ela mesma um cosmos plural. Schiaparelli chocou ao ser italiana e depois francesa, filósofa, estilista e também enfermeira. Todos com a invariável consequência de não se esquecer da arte como salvação, e da realização ao perceber que a vida não é sobre se encontrar, mas sobre se criar.

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