Entre reportagens, livros e documentários: conheça a carreira de Victor Bonini
Com uma trajetória que transita entre o jornalismo, a produção de documentários e a escrita, Victor Bonini construiu uma carreira que une suas paixões por contar histórias, tornando-se um nome em ascensão no universo da literatura policial brasileira. Em uma entrevista exclusiva para o Portal da Whiz, ele compartilhou detalhes de sua trajetória profissional, dos desafios superados e das suas inspirações.
Whiz: Para quem não te conhece, quem é o Victor Bonini?
Victor: Eu acho que eu sou muitas coisas, mas a biografia mais básica é que sou jornalista, escritor e produtor de filmes. Trabalhei muitos anos como repórter em São Paulo, até que vim para Nova Iorque para estudar documentários e continuei escrevendo esse tempo todo.
Whiz: Por que você escolheu cursar jornalismo? Você acha que isso influenciou na sua decisão de começar a escrever?
Victor: Foi até o contrário, na verdade. Eu me apaixonei pela leitura na adolescência, quando li os livros da Agatha Christie. Nesse meio tempo eu lia não só ela, mas também Edgar Allan Poe, Simenon e outros, e comecei a querer escrever algo parecido. Eu tinha ideias conforme ia lendo esses livros e com 15 anos, eu comecei oficialmente a escrever. Eu achei o máximo porque era a primeira ideia que eu tive, eu queria chegar até o final, e consegui! Foi muito prazeroso para mim. Tanto que, logo que eu terminei, eu comecei a escrever um outro. Todos eles eram ainda imaturos, mas eu gostei muito da experiência de escrever. Por causa disso, eu pensei: bom, agora eu tenho que escolher minha profissão. Eu sabia que ia ser humanas. Pensei em fazer Letras, mas queria ter um leque maior de escolhas, então acabei vendo jornalismo. Mas, sinceramente, por um bom tempo, eu nunca me imaginei jornalista. Eu queria continuar escrevendo, que é o que eu amo, e aí percebi que jornalismo nada mais é do que contar essas mesmas histórias, só que do dia a dia. Eu também vi que vários autores de romance policial – que é um gênero que eu sempre gostei – eram ou também tinham sido jornalistas, então eu falei “ótimo, vamos nessa”.
Whiz: Qual foi a reportagem mais desafiadora que você fez? E o livro mais desafiador que você escreveu?
Victor: Na minha primeira semana trabalhando como repórter, na TV Gazeta, me mandaram para uma reportagem sobre tráfico de lança perfume na Augusta, e foi um desastre. Aquilo foi muito desafiador porque eu senti um medo real, mas ao mesmo tempo, queria me provar como um bom repórter. Além disso, acho que grandes coberturas também [é um desafio] principalmente quando tem desastres. Eu fui cobrir aquele acontecimento na escola em Suzano; a gente tinha que conversar com as famílias, com os amigos e era muito complicado, porque tinha sido um assassinato sem significado e violento. Acho que essa foi a reportagem mais difícil para mim.
E de livro [desafiador], o mais difícil foi um que eu não lancei ainda. Dos 5 que escrevi em português, eu acho que O Casamento tinha sido o mais difícil, porque eu sabia onde eu queria chegar, mas na metade do livro eu parei, pensando que eu não tinha a capacidade de escrita, ou eu achava que não tinha, para conseguir finalizar. Eu interrompi o livro no meio, fui escrever outras coisas, depois eu voltei e dei um jeito de terminar. Mas desde que eu vim para Nova Iorque, eu comecei a escrever um livro em inglês. Iniciei em abril de 2021 e terminei no Natal de 2022. Foi um período muito complicado para mim, porque é um livro muito diferente do que eu já tinha escrito antes; e ainda tem sido um desafio, porque para lançar livro aqui fora você tem que primeiro arranjar um agente, depois uma editora, tem muitos processos.
Whiz: Bom, não sei sobre essa nova história, mas as outras que você escreveu costuma ter como pano de fundo a cidade de São Paulo. Além disso, tem alguma outra característica que você sempre tenta trazer para os seus livros?
Victor: Elas [as histórias] não são necessariamente biográficas, mas têm muito apelo do que eu vivi e testemunhei, principalmente como jornalista. Como saía todo dia para fazer matérias na rua, eu via muitas coisas que me inspiravam. Por exemplo, o livro Quando Ela Desaparecer se passa no Cecap, onde eu tive que morar por um tempo por causa da Globo. Já o Tortura Branca foi um livro sobre a pandemia, que eu escrevi durante a pandemia, e que não funcionaria em qualquer outro momento senão aquele. Teve uma vez que eu fui em uma conversa com os alunos da Cásper Líbero e o professor, que foi meu professor também, falou que meus livros são romances policiais documentais. Então, eu meio que uso o meu lado jornalístico para construir histórias com esses momentos.
Whiz: Você é coautor do livro Vozes de Joelma, que são contos de horror inspirados no incêndio que aconteceu no Edifício Joelma, em 1974. Como foi esse processo de co-escrever um livro?
Victor: Assim que eu fui contratado pela Faro, outros autores como Marcos DeBrito, Rodrigo de Oliveira, Marcus Barcelos e o Tiago Toy também foram e a gente se reuniu para pensar em um livro juntos. Inicialmente eu aceitei, mas sabia que seria um desafio, porque eu nunca tinha escrito horror. Daí a gente começou a conversar sobre como as histórias seriam divididas, decidimos usar uma lenda, e cada um iria escrever um momento. Eu não me sentia tão confortável em escrever sobre o incêndio, e sim sobre algo que tivesse a ver com uma história real, então, eu acho que calhou muito de eu ser o último [conto], porque eu peguei justamente um futuro do Edifício Joelma. Eu queria fazer uma metáfora com o centro de São Paulo que tem tantos prédios ocupados pelos movimentos por moradia, um assunto que eu adoro. No fim, eu decidi fingir que o Joelma virou um desses prédios ocupados. Não só para discutir o tema da moradia, mas também para falar da dificuldade de viver nessas ocupações, por ser um prédio abandonado, não ter um síndico etc. Eu gostei do resultado final, mas o interessante é que os momentos de terror são os que mais se afastam de quem eu sou e do que eu gosto, sabe? Eu coloquei isso claramente para fazer sentido, por ser um livro de terror, mas o que eu queria mesmo era explorar a questão da moradia.
Whiz: Seu romance mais recente, Tortura Branca, recebeu Selo Destaque do Prêmio ABERST (Associação Brasileira de Escritores de Romance Policial, Suspense e Terror) e foi finalista do Prêmio Jabuti na categoria Romance de Entretenimento (2021). Além disso, O Casamento também já foi vencedor na categoria de Romance Policial (ABERST). Como foi receber essa notícia? O que isso significou para você pessoalmente e para sua carreira?
Victor: Foi muito importante para mim, porque o romance policial em si, principalmente no Brasil, é pouco valorizado. No Brasil, temos uma raiz de arte que acredita que qualquer coisa que envolva entretenimento será ruim ou inferior. O próprio Jabuti, tendo categorias diferentes para literatura e entretenimento já mostra isso. E não que eu seja contrário, ainda bem que a gente está sendo indicado.
Mas vivendo num Brasil que tão pouco valoriza a literatura no geral e quando valoriza, valoriza as diferenças [alta literatura versus entretenimento], e também o pensamento de: se eu for ler, eu vou ler Stephen King, porque o internacional é melhor… eu já sabia desde o começo que eu não seria reconhecido por nada, não só eu, como outros autores desses gêneros também, foi por isso que a gente criou a ABERST. Lá em 2017, outros autores e eu fomos ao Centro Cultural de São Paulo para conversar e juntar forças para valorizar esses gêneros. Criamos então a associação e depois de um tempo, o prêmio. Assim que saiu e eu vi que tinha ganho, fiquei muito feliz. Foi a primeira vez que senti algum tipo de reconhecimento. E com o Tortura Branca foi a mesma coisa, porque ele foi muito prazeroso de escrever e, saber que ele chegou nesse ponto, para mim, é maravilhoso.
Whiz: Em 2019 você se mudou para Nova York para fazer um mestrado em produção de documentários. O que te motivou a fazer essa mudança e o que te inspirou a fazer isso?
Victor: Acho que eu cheguei em um ponto da minha carreira que eu queria muito contar histórias mais longas. Eu simplesmente tive vontade de achar novos horizontes e tive o privilégio de conseguir. Fui atrás da universidade, consegui uma bolsa, e quando recebi o resultado positivo pensei “agora é o momento”. Justamente porque eu sou apaixonado por contar histórias, eu comecei a querer contá-las em um formato diferente. E é o que eu tenho feito nos últimos cinco anos, apesar de ter voltado para a Globo de Nova York. O meu lado escritor também queria explorar o mercado editorial dos Estados Unidos, que é o maior do mundo, então, eu acho que [a mudança] foi meio que uma aposta.
Whiz: Falando um pouco sobre suas inspirações, pra quem te acompanha, é notável sua paixão pela Agatha Christie. Como começou essa admiração e o que te faz gostar tanto da escrita dela?
Victor: Eu acho que essa admiração começou na escola. O que me pegou logo de cara foi a técnica dela de montar quase um quebra-cabeças, e criar as armadilhas perfeitas para o leitor cair. Até hoje tentam copiá-la nesse sentido, da surpresa, que é algo que ela faz de forma primorosa. Com o tempo eu comecei a dar valor para o background dela também, pela forma como ela descrevia a sociedade dentro dos livros, e percebi como ela era bem ousada. Eu acho que ela tinha um jeito de fazer com que você lesse o livro acreditando que só falava sobre um crime na sociedade inglesa, mas ao mesmo tempo ela usava referências que apontavam as hipocrisias dessa mesma sociedade. Além disso, ela era transgressora até mesmo como mulher, uma vez que ela comandava o mercado editorial, ficou mais do que milionária com os livros, e virou a pessoa mais lida depois da Bíblia, sabe? Ela foi uma das primeiras mulheres a surfar na Inglaterra, numa época em que era um esporte para homens. Então, eu acho que mesmo sendo quieta, ela era muito transgressora.
Whiz: Em um universo paralelo, se você pudesse encontrar ela [Agatha Christie] e fazer só uma pergunta, qual pergunta seria?
Victor: Bom, aqui em Nova York eu já encontrei alguns autores que eu admiro muito. Quando eu comecei a ler autores americanos, eu li Raymond Chandler e acho que o segundo que li foi Harlan Coben. Eu acho que ele é o mais próximo a repetir a fórmula da Agatha Christie. Quando conheci ele pessoalmente eu fiquei tipo: O que eu vou perguntar? O que eu vou falar? Aí eu virei e falei “eu sou muito seu fã, mas você deve ouvir isso direto, né?” e falei que sou do Brasil. Então ele comentou sobre quando foi para a Bienal e conversamos sobre as percepções que ele tem do Brasil e dos fãs brasileiros, foi interessante. No fim, acho que eu perguntaria isso [para Agatha] “O que você acha do Brasil?”.
Whiz: Seu romance “Quando Ela Desaparecer” foi vendido para virar uma série de TV com cerca de 10 episódios. Tem mais informações sobre esse projeto que você pode compartilhar com a gente?
Victor: Então, não tenho. É muito complicado fazer um filme ou série sobre livros, porque, geralmente, alguma produtora lê, gosta e pede para comprar o direito autoral. O que acontece na venda é: a gente faz um contrato e eles oferecem um belo dinheiro para comprar o direito. Uma vez que eles têm esse direito, eles começam a pensar em argumentos, em como a história seria, para depois procurar o estúdio ou player, para vender. Quando eles [os players] compram o projeto e dão o dinheiro para produzir, aí sim a produtora começa a ir atrás de elenco, local e tudo mais. No fim, o que saiu na mídia foi a venda dos direitos autorais. A única notícia do projeto que a gente teve foi em dezembro do ano passado. Eu não sei nem se posso te contar isso. Então, digamos que recentemente teve uma movimentação. Mas, eu também já vendi os direitos de todos os outros livros, menos o Tortura Branca.
Whiz: No texto de apresentação que está no seu site, você diz que escreveu algumas histórias antes mesmo de Colegas de Quarto, e que elas estão aposentadas na gaveta do seu quarto. Por curiosidade, você já pensou em reescrever alguma dessas histórias e tirar elas da aposentadoria?
Victor: Já me perguntaram isso, e toda vez eu tento ver se mudou alguma coisa, mas acho que não. A base delas é muito imatura. Eu sinto que atualmente estou indo muito mais para o lado sentimental, sobre descobertas de si mesmo, ainda dentro do romance policial. Mas esse é um dos motivos pelos quais eu tenho demorado tanto para lançar. Faz uns quatro anos que eu não lanço nada e eu não acho que o meu próximo sai esse ano também. É engraçado porque eu tenho dois livros prontos, um em português e outro em inglês, mas eles não vão sair agora em 2024 por conta de processos editoriais e mercadológicos.
Whiz: Para encerrar, esse ano terá a vigésima sétima (27º) edição da Bienal do Livro, aqui em SP, e queria saber se existe a possibilidade de você aparecer por lá?
Victor: Sim, eu estarei lá! Acho que dessa vez não vai ser com livro novo, mas eu vou estar por lá sim.