A bruxa está à solta
Chapéu pontudo, caldeirão, voar numa vassoura e uma gargalhada maldosa. Eu tenho certeza que quando você leu essas características, veio à sua mente a imagem de uma bruxa. No entanto, há muito mais sobre elas que passa despercebido e que iremos esclarecer.
As ditas “bruxas” eram mulheres que desempenhavam um papel importante nas sociedades de características tribais. Elas eram consideradas sábias por deter o conhecimento acerca das ervas medicinais e dos rituais de celebração aos deuses. Além disso, realizavam os partos e transmitiam o conhecimento para as outras gerações. “Elas eram respeitadas e fundamentais para o funcionamento daquelas sociedades de características tribais, profundamente ligados aos elementos da natureza e aos rituais sagrados”, afirma a historiadora e especialista em História Moderna, Edna Lucia Maia.
No entanto, isso tudo começou a mudar com o avanço do cristianismo na Europa após o fim do Império Romano. “Na Idade Média, assistimos ao processo de consolidação dos valores cristãos, monoteístas, sobre grupos sociais originalmente politeístas, que cultuavam inúmeros deuses e relacionavam-se com o sobrenatural dentro de suas práticas cotidianas. Sendo assim, para os cristãos, eles serão interpretados e julgados como pagãos, pois não estavam sobre os mesmos princípios religiosos e, dentro do cristianismo praticado pela Igreja Católica naquele momento, não havia espaço para a diversidade”, explica Edna.
A partir do século XV, iniciou-se um movimento de perseguições a pessoas que supostamente realizavam feitiços e usavam poderes sobrenaturais obtidos em rituais demoníacos. Em 1484, o papa Inocêncio VIII reconheceu, em bula papal, a existência das bruxas e apoiou a caça pelos inquisidores. De acordo com a historiadora, “a partir do século XV, assistimos a uma institucionalização dessas perseguições com o advento da Inquisição e a utilização de um guia: o Malleus maleficarum ou Martelo das Feiticeiras, escrito por dois importantes inquisidores que orientavam sobre como identificar e punir casos de bruxaria”.
A tortura era considerada uma forma necessária para conseguir a confissão e o acusado não tinha sequer o direito de saber quem o acusou. Estima-se que o período de caça às bruxas foi responsável pela execução de 40 a 60 mil pessoas. Um dos principais casos dessa perseguição ocorreu em Salém, EUA, entre 1692 e 1693, quando mais de 150 pessoas foram condenadas pelo crime de bruxaria.
As mulheres foram o principal alvo da perseguição e isso contribuiu muito para a redução do seu papel social na época. “A ‘caça’ teve um impacto muito negativo, pois acabou contribuindo para a difusão de inúmeros preconceitos e uma redução, ou quase anulação, de sua importância dentro da sociedade. Essa construção se faz a partir de uma oposição entre o masculino, visto como uma representação de virilidade, honra, retidão, de caráter superior, ao passo que a mulher é vista como desonrada, maliciosa, instintiva, venenosa. Junto com o rótulo de bruxa, estava também a condenação do corpo feminino, de sua sexualidade, de seus fluídos corporais, como a menstruação, de sua feminilidade, seus saberes. Constitui-se uma imagem do corpo feminino como fonte de pecado”, conclui Edna.