A extraordinária e bizarra fofoloucura de Swiss Army Man
Por Euclides F. Junior
Para quem está cansado de filmes com roteiros superficiais, histórias feitas para agradar e que parecem ter esquecido que cinema também é arte, na poltrona “Swiss Army Man” vai te satisfazer mais do que a pipoca amanteigada.
Um filme para dar o que falar.
Não que essa tenha sido a única premissa da dupla The Daniels (Daniel Kwan e Daniel Scheinert) ao cria-lo, mas faz parte da sua grandeza. Os diretores são jovens, muito jovens. Eles mal acabaram de se formar e não mediram ousadia em lançar uma bomba dessas para o mundo do cinema. Os dois já trabalharam em clipes musicais com bandas famosas como Tenacious D, The Shins e Foster The People – que não ficam atrás em excentricidade –, e foram os responsáveis pela indicação ao Grammy de Melhor Clipe de Música com Turn Down For What, do Dj Snake com Lil’ Jon.
Logo no início temos a cerne de tudo que veremos durante o longa, quando o personagem de Paul Dano, o náufrago Hank, prestes a se enforcar, acaba por desistir do suicídio ao conhecer um cadáver flatulento, interpretado por Daniel Radcliffe, que de Harry Potter não tem mais nada nessa atuação. Assim como a bola Wilson foi para Tom Hanks, o defunto de olhos azuis é para Hank uma nova companhia que o dará motivos para continuar vivendo, mesmo que isso seja a base da insanidade, buscando em uma nova e estranha realidade, um jeito de não desistir da vida. E essa questão de existência será profundamente vivida durante o filme, da maneira mais intrigante possível, pois logo após conhecer o corpo de Manny, Hank está montado sobre ele deslizando sobre o mar como se fosse um jet ski movido à gases. E a loucura começa.
Acostumados a acertar música e cena nos videoclipes, The Daniels também optam por uma trilha sonora que completa as cenas em uma sintonia perfeita ao que transmitem. “Honestamente você sabe o que merece uma indicação? A trilha sonora e a canção escrita para o filme”, disse em entrevista o terceiro Daniel dessa história, Radcliffe.
E quando começamos a nos questionar se o cadáver Manny permanecerá durante todo o filme sem vida – exceto os gases –, ele solta suas primeiras palavras. Mas não para por aí, ao decorrer dos acontecimentos, Hank descobrirá que tem ao seu lado muito mais do que um homem morto para carregar nas costas. Dizendo assim, o filme aparenta ser sombrio, grotesco e de mau humor, e ele o é da melhor forma. Há grandes momentos cômicos e de euforia, enquanto Hank tenta ajudar Manny a recuperar o sentido da vida, ele está lembrando a si mesmo pelo que vale a pena continuar, uma questão tratada com muita sensibilidade. O náufrago precisa voltar para o mundo e reencontrar uma garota que conheceu no ônibus e pela qual está apaixonado, contando com a ajuda do defunto para fugir de sua mísera realidade.
Quanto mais Hank se aproxima da morte, mais vida é trazida ao corpo de Manny, além de jet ski gaseificado, ele será uma metralhadora humana, um lança-chamas, um machado, um fazedor de barba, uma fonte d’água e tudo que nosso protagonista vivo precisar para não fazer dupla fria e dura ao falecido. Há até mesmo uma briga com urso, e veremos que o azar de Leonardo DiCaprio em “O Regresso” foi não ter um cadáver para salvá-lo. Os dois se completam de uma forma perturbadora, um homem morto que vai gradualmente se tornando vivo e o homem vivo que enlouquece e morre pouco a pouco.
E se substituir “cadáver” por “urso de pelúcia”, “peido” por “arco-íris” e “realidades” por “eufemismos”, isso mudaria seu pensamento sobre o filme? É exatamente essa a questão que os diretores/roteiristas parecem ter buscado.
Audácia é a palavra chave dessa trama.
Tratar de tabus com a mais realista naturalidade, sem medo nem censura em uma aventura sobre tudo que evitamos falar em público e até consigo mesmo, combinando-os com uma magia peculiar. Poderão até chamar de humor negro, mas que pelo menos respeitem a criatividade e a coragem desses autores. Afinal, é um longa para ser 8 ou 80 e nada no meio disso. Enquanto muitos ficarão maravilhados com as cenas fabulosas e sublimes, outros simplesmente sairão da frente da tela, como aconteceu no Festival de Sundance. Mas calma lá, o filme saiu premiado do mesmo festival como melhor direção de drama americano, e é provável que mais prêmios virão.
“Swiss Army Man” é uma experiência cinemática incrível. Se alguns deixaram de ler esse texto no meio por parecer uma promessa estranha demais, faz bem, esse filme é realmente para os fortes. Agora, se abandonaram para procurar o filme, estão mais do que certos.