A Fantástica História do Melhor Contador do Mundo
Foto e texto por Julia Pasquarelli
Nestor, 34 anos, solteiro, míope, alérgico a camarão e o melhor contador que já existiu. Sem nenhum exagero, nem floreios e nem hipérboles, Nestor era de fato o melhor contador de que já se teve registro em toda história. Era um talento natural, nasceu com aquele dom que parecia quase instintivo. Sabia exatamente o que fazer, era certeiro na hora de procurar uma pasta e nunca cometeu um só erro. Os outros ficavam espantados ao assistir Nestor trabalhar de forma tão eficiente num mundo absorto em burocracias. Parecia que presenciavam um milagre ao vê-lo transformar uma pilha de papéis em pastas organizadas.
Nestor, o melhor contador que já existiu nesse mundo, não suportava contabilidade.
Por uma peça do destino ou uma maldição, como ele chegou a cogitar, a única coisa em que era excepcionalmente bom era cuidar das finanças e impostos de renda de terceiros. De resto, era um fracasso ou frustrantemente medíocre. Todos os hobbies foram inúteis. Nunca tirou uma boa foto ou pintou um bom retrato. Causou diarreia em 30 pessoas no primeiro dia do curso de gastronomia e mesmo praticando, seus bolos sempre solavam. Não sabia nadar, tinha tendinite, os sonhos com o Wimbledon foram por água a baixo. No jogo, no amor e em todo o resto simplesmente não era bom.
Foi conduzido à carreira como se aquilo fosse o mais natural possível e, desde então, não conseguia se livrar dela. Por mais que cada novo processo que chegava em suas mãos lhe causasse agonia de ranger os dentes, sabia o que deveria ser feito e o fazia. Foi assim por anos.
Passava o dia fazendo tarefas que detestava. Chegava em casa e via todos os prêmios que havia ganhado por sua ótima performance como contador. Aquilo o consumia, o cansava de tal forma que não conseguia mais olhar nem os números do próprio relógio. Como pode alguém ser fadado a tal maldição de ser ótimo em se torturar? Se ao menos fosse um pouco masoquista…
Até o dia que largou tudo. Papéis voando pelo seu escritório. Se fosse um pouco mais louco, tacava-lhes fogo. Foi pra casa, jogou todos os troféus pela janela, tomou o whisky que tinha guardado e riu sozinho enquanto se jogava na cama. Nunca mais voltaria naquele recinto, Nestor repetia para si.
Quando acordou, moveu-se em direção à sua nova carreira. Não se importava com sucesso ou dinheiro, só não queria ser contador…
Então Nestor, solteiro, míope, alérgico a camarão, o pior sorveteiro do bairro e feliz.