A LUTA ININTERRUPTA POR UM TETO
Fadados a viverem em condições precárias, moradores de rua nos arredores da Consolação buscam, esperançosos, meios de deixarem as ruas para trás
“Eu quero é ir direto embora pra Recife” alega Seu Ivanildo Azevedo da Silva, morador de rua há mais de 9 anos, dono de uma feição maltratada pelo tempo, usuário de crack, “porque lá eu me livro dessa maldição de vez”. Desembolsando mais de 180 reais por mês para custear os gastos com a droga, Seu Ivanildo leva a vida trabalhando na feira, comercializando verduras. “Eu vim de lá pequeno, morei aqui quase que a vida inteira. Depois, me envolvi com essa maldita pedra e, agora, vem o desespero pra fugir dessa sina.” conta ele. Esse é só mais um caso de moradores de rua que almejam deixar a vida dura que levam e seguir em frente.
Dona Rita, uma senhora cheia de delicadeza e compaixão, conhecida como Benção pelos moradores do Minhocão, mora há mais de 8 anos exatamente embaixo do Elevado Pres. João Goulart em um cobertor florido que combina com suas bijuterias. Ela abomina o consumo de drogas e afirma sofrer com o filho, também morador de rua e usuário. Indignada com a falta de ajuda do governo, Dona Rita questiona “Com esse tanto de casa abandonada por aí, por que é que o governo não disponibiliza essas casas pra gente que não tem onde morar?”
Já conhecidos na região e, na maioria das vezes, vistos de maneira nociva, os entrevistados se recusam a dormir no relento e vão à procura de pequenos hotéis, ao anoitecer, nos quais possam repousar sem o risco de terem seus pertences roubados ou seus corpos hostilizados por atos de vandalismo.
“Tem muita gente que gosta de judiar da gente” relata um morador de rua que não quis ser identificado por questões de segurança pessoal “não veem a gente como seres humanos, nos chamam de vagabundos e escória da sociedade, dizem que é bem feito estarmos nessas condições”. Com tanta violência verbal e, muitas vezes física, estas pessoas em condições de rua sentem-se cada vez mais intimidadas a dormirem sob apenas o céu de São Paulo como teto. “Eu fico ferrado porque nem conhecem minha história,” completa “nem sabem se eu quero sair daqui ou não, e olha, como eu quero!”
Seu Carioca, no entanto, já ganhou a simpatia do público da Rua Maria Antônia. Após receber uma falsa proposta de emprego, de mala e cuia, Seu Carioca se viu nas ruas de São Paulo sem dinheiro e sem ter para onde ir. “Agora eu sou um mendigo que pertence à nova era do mendigo, aquele mendigo que não cai pro meio da rua, que não fica cheio de cachaça, que não é estúpido e que está tentando subir na vida de novo!” Ex – estudante de filosofia da UERJ e, com a feição cansada, ele conta sobre a invisibilidade dos moradores de rua “Muitas vezes, quando estou pedindo moedas no semáforo, as pessoas fingem que não me veem, me desprezam, como se eu fosse invisível. Me sinto mal com essa invisibilidade, mas fico na minha, tenho que aceitar, pois cada um tem uma mente. Se Deus aceitou todo mundo, a gente também tem que aceitar, infelizmente, né?” Por outro lado, conhecido na região, Seu Carioca recebe ajuda dos moradores da Consolação, conseguindo um cantinho para descansar durante a noite. “Eu sempre procuro um hotelzinho barato, qualquer espelunca. As pessoas que me conhecem também me oferecem casa de vez quando.”
Seu Carioca, Dona Rita e Seu Ivanildo são protagonistas de uma realidade dura e de uma busca fastidiosa que martiriza entre 0,6% a 1% de 192 milhões de brasileiros, segundo o CENSO do IBGE. Ainda que seja um mártir, os entrevistados encaram a dolorosa vivência com uma motivação que não lhes pode faltar.
“A gente não tem escolha não” pondera Seu Ivanildo. Em uma realidade que ninguém vê, todo dia é dia de uma nova expectativa.