Cada um com sua dor nas costas
Por Heloísa Mondini
Hoje acordei com dor nas costas. Não agradeci por mais um dia de vida. Caminhei cansada até o ponto de ônibus pensando na difícil reunião que teria logo cedo. Não me lembrei do quanto amava meu trabalho. Reclamei por ter perdido o ônibus. Não percebi como o dia estava lindo.
Reclamando ainda, entro em minha condução e faço algo que não é frequente: procuro por um lugar para sentar, afinal, estou com dor nas costas. Vejo um espaço vazio no fundo do corredor. No curto caminho até o lugar que aliviaria minha dor, atrapalho-me com tantas bolsas que trago comigo e reclamo para mim mesma por ter trazido tanta coisa. A moça sentada ao meu lado percebe e tenta me ajudar. Agradeço, por questão de educação.
Sem me apresentar ou ao menos saber de onde vim, a moça fala em tom de brincadeira: “tem dias que a gente fica meio atrapalhada né, é o sono” seguido de uma risada inocente. Eu sorrio e logo depois ela pega uma bolsa com algumas maquiagens. Explica que saiu atrasada e que se incomodava com as manchas em seu corpo. Ela tomava antidepressivos e sofria com os efeitos colaterais. “A gente se acostuma”, completou. Em uma espécie de empatia, lhe digo que os efeitos passariam com o ajuste da dose do remédio conforme o tempo. Na verdade, já fazia dez anos.
A causa? Uma gravidez indesejada para uma menina tão nova que tinha carreira de modelo e um mundo inteiro para abraçar. “Agora eu estou gordinha, não sirvo mais. Mas, o pior foi descobrir que o egoísta fez isso só para me prender a ele”. Estranho isso de usar uma vida como vínculo.
Mas agora ela voltou a estudar. Aos 33 está cursando psicologia. Semestre passado conheceu um garoto de 18 anos e diz que está apaixonada. O garoto não quer compromisso sério, além do que “a sociedade julga, né?”. Estava na hora dela descer. Desejei sorte para ela.
Foi quando olhava fixamente para a porta que agradeci por ter perdido o ônibus.
Moça, você aliviou minha dor nas costas.