#Iluminarte – Nas mãos de quem está o controle?
Uma proposta arriscada e inovadora do serviço de streaming Netflix: dar a experiência de seus usuários tirarem o livre arbítrio do protagonista do especial da série “Black Mirror”. O spin–off da série conta a história de um jovem programador, Stefan (Fion Whitehead), que tenta adaptar um romance para os vídeogames. E fiquem tranquilos quanto a spoilers, afinal, você faz a sua própria história.
Com mais de oito finais diferentes, o filme se renova e se modifica a cada escolha que você faz para o personagem. Porém, o filme não é só mais uma inovação tecnológica com uma história rasa e básica, é um retrato claro da sociedade que vivemos, além de um mar de referências que conecta vários episódios e nos deixa extremamente curiosos.
Durante alguns caminhos do filme-evento, o personagem questiona-se sobre livre arbítrio e como as pessoas interferem em suas escolhas pessoais.
Para iniciar uma análise sobre esse filme, devemos falar sobre a metalinguagem presente na história. Tudo começa com um livro, o Bandersnatch, que tem uma história em que o leitor pode tomar decisões e definir o rumo da história. Com base nisso, Stefan sonha em programar um jogo inspirado no livro com essa mesma temática e inovação: a interação com a história. E tudo isso se passa em um filme onde você, espectador, interage e altera os rumos da história.
Explicado isso, podemos seguir para decifrar alguns pontos que conectam essa história.
Primeiramente, da onde vem esse nome Bandersnatch? Bom, o nome, não é novo para quem conhece Lewis Carroll, autor que escreveu o universo de “Alice no País das Maravilhas”. Em um de seus romances, o autor apresenta o personagem (Bandersnatch) de forma rápida e sem muita descrição, porém, na ilustração de Peter Newell, a criação de Carroll, se assemelha muito a um leão – animal com participações importantes no filme.
O leão, no filme-evento da Netflix, representa o vilão que aterroriza o autor do livro Bandersnatch, Jerome F. Davies (fictício), e está presente tanto no livro quanto na adaptação para jogo de videogame de Stefan.
Além disso, o jovem programador é apresentado a uma droga durante um momento importante da narrativa e o desenho estampado no entorpecente também é um leão. Porém, as referências a Lewis Carroll não param por aí.
Em um momento do filme, o protagonista Stefan, incentivado por uma fala de Colin (Will Poulter), se depara com um espelho como se fosse um portal mágico, que possibilita uma viagem no tempo. Curiosamente, o objetivo para a tal viagem é a busca de um objeto de sua infância, que trata-se de um coelho, criando assim, uma alusão clara ao livro “Alice Através do Espelho”, também escrito por Carroll.
Em algumas escolhas do filme, o personagem se vê controlado pelo pai, o qual sempre se mostra uma pessoa misteriosa, principalmente em cenas que vemos ele trancando o escritório. Ao ter um flashback de sua infância, Stefan vê sua mãe falando com seu pai e eles conversam sobre o trem que ela pegaria com o filho para ir ao encontro dos avós. Nisso, ambos citam os horários 8:30 e 8:45 repetidas vezes, sendo estes versículos da Bíblia que falam principalmente sobre quem detém a verdade:
“Tendo dito essas coisas, muitos creram nele”. (João 8:30)
“Mas, porque vos digo a verdade, não me credes”. (João 8:45)
Estaria a mãe nos avisando que o pai é um mentiroso e que Stefan não deve confiar nele?
Após algumas escolhas, o filme mostra um diálogo entre Stefan e sua psicóloga, Dra. Haynes (Alice Lowe). Ele a questiona sobre ser instrumento de um entretenimento. Então, ela responde que a vida dele é muito comum para ser o que alguém procura para assistir e se divertir. Com isso, a fala da Dra. nos leva a pensar sobre o que assistimos e como a indústria do entretenimento mudou.
Buscamos coisas cada vez mais verossímeis para entretenimento. Queremos assistir a realidade e normalidade, enquanto vivemos em falsas fantasias, criadas e idealizadas por cada um, como já vimos no filme “O Show de Truman” de 1998. No filme estrelado por Jim Carrey, é criado um reality show da vida de um homem comum, que vive desde que nasceu em um estúdio que imita a realidade.
Outro ponto que move o filme é a questão do livre arbítrio. Em alguns momentos, o personagem se questiona sobre não estar se controlando, como se algo externo estivesse comandando seus movimentos e ações. Esse algo é você, leitor/telespectador. Em meio todo esse questionamento, o protagonista se indaga tanto e apresenta alguns fatos que até você acaba refletindo sobre suas escolhas, ou melhor, quem e o que nos motiva a fazê-las.
Estamos o tempo inteiro tomando decisões. Essas abrem e fecham portas a cada instante, mas não fazemos escolhas sozinhos. Toda nossa vivência e influência molda nossos caminhos. Por isso, as nossas escolhas são o conjunto das escolhas de outras pessoas. Somos controlados o tempo inteiro por instituições maiores que nós. Um exemplo disso é o próprio governo e suas leis, que influenciam você e suas escolhas. Pensando nisso, nosso tal “livre arbítrio” não é assim tão livre. Somos moldados a seguir um caminho pré-estabelecido culturalmente.
Algumas vezes, nós temos opções escassas para escolhas e isso só evidencia que não somos nós que estamos no comando. Assim como no filme, a Netflix te dá uma falsa sensação de controle. Porém, é ela quem determina o enredo do filme, fazendo você voltar e caminhar para um dos finais definitivos. Seria isso uma metáfora para a nossa vida? Na qual teríamos uma falsa sensação de que decidimos as coisas, mas algo maior nos controla e nos faz tomar decisões, assim como o que o filme Matrix, de 1999, apresenta em seu enredo?
Afinal, o que controla suas decisões?
P.S: Para te deixar mais alerta ao assistir ou reassistir Bandersnatch, convidamos você a achar as referências aos outros episódios da franquia “Black Mirror”. Todos os episódios abaixo são citados de alguma maneira no filme-evento. As agulhas estão dispostas no palheiro, e cabe a você procurá-las.
– The USS Callister;
– Nosedive;
– Hand the DJ;
– San Junípero;
– MetalHead;
– White Bear;
– Fifteen Million Merits;
– National Anthem;
– The Waldo Moment;
– Hated in the Nation;
– Crocodile;
– Black Museum.
Por Flávio Henrique, Giovanna Cortez e Pedro Rocha