O “China” mais brasileiro
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Confira uma entrevista exclusiva com Juarez Soares, um dos maiores jornalistas esportivos do Brasil
Conhecido por China pelos mais íntimos, Juarez Soares, 75, um dos pioneiros do jornalismo esportivo no Brasil, nasceu em São José dos Campos, no interior paulista, e ingressou na carreira aos 17 anos, transmitindo jogos do campeonato da segunda divisão do time de futebol de Lorena na Rádio Cultura da cidade. Para ele, aqueles que o tratam por China “querem dizer que me acompanham por muito tempo”.
Descendente de Bugre, nome dado a determinado grupo de indígenas, Juarez mudou-se para São Paulo em 1961, participou de um concurso para trabalhar na Rádio Difusora e foi contratado. Durante sua trajetória na capital, atuou como repórter esportivo nas rádios Tupi e Gazeta e, em 1969 passou a trabalhar na Rádio Globo. Fez parte das equipes do Globo Esporte e Esporte Espetacular. Ainda na Globo, participou do programa Bom Dia São Paulo.
Cobriu mais de dez copas do mundo na carreira, sendo que nas copas de 1986, 1990 e 1994, respectivamente no México, na Itália e nos Estados Unidos, foi responsável pela cobertura da Seleção Brasileira. Passou também pela Rádio e TV Record, TV Bandeirantes, SBT e TV Cultura, assim como em outros veículos de comunicação, como os sites Folha da Manhã, Mundo Esportivo e no site de esportes do Portal Terra.
Membro do Sindicato dos Jornalistas, Juarez liderou duas greves, em 1961 e 1980, sendo que ambas ocorreram durante sua atuação na Globo, o que acabou acarretando em sua saída da empresa.
Apesar de sempre ter atuado no mercado de trabalho como jornalista, Juarez Soares formou-se em Pedagogia e cursou a faculdade clássica de História e Filosofia, pois sempre teve vontade de lecionar. A profissão de jornalista, no entanto, “é a busca da verdade, custe o que custar”, segundo o repórter esportivo, ponderando que “o jornalista deve entender da sua profissão, ter ética, ter caráter e ser independente. Mas para ser independente tem que ser honesto”. Sobre não precisar mais de diploma para exercer a profissão, Juarez contesta: “Sou totalmente a favor do diploma de jornalista. Sou totalmente contra jogador e técnico comentar futebol nas televisões.” Ainda comenta, de forma bem humorada: “Todo jornalista honesto morre pobre e em dois empregos”.
Juarez reflete a respeito dos problemas financeiros de muitos times brasileiros, conta que são necessários valores muito altos nas transações, para que o clube proprietário e os empresários dos jogadores lucrem com o negócio. Segundo ele, apenas o Palmeiras se vê livre de dívidas por conta de Paulo Nobre, ex-presidente do clube, que fez um empréstimo para o time.
Sobre a atuação dos times brasileiros na tragédia da Chapecoense, o jornalista afirma que o acidente, apesar de ter unido todo o Brasil, não fez com que os clubes cumprissem o que havia sido prometido ao time catarinense. Apenas alguns cederam seus jogadores com a condição de que a Associação Chapecoense de Futebol pagasse metade de seus salários. “Nada veio de graça”, aponta. A repercussão da tragédia trouxe à tona a opinião do jornalista sobre a função do futebol brasileiro como um fator atenuante na dura realidade da situação política e econômica do país: “O time de futebol não é a pátria de chuteira. O futebol está no país, mas o fato de o Brasil ganhar um jogo não vai mudar a vida do brasileiro”. De acordo com ele, o público brasileiro já percebeu, ou está percebendo, aos poucos, o fato de que a pátria não precisa do futebol para existir.
Ao ser questionado sobre o jogo que mais marcou sua carreira, relembra com facilidade, e até certa emoção, da partida entre Santos e Milan, time italiano, pela final do mundial de clubes.
O Santos havia perdido o primeiro jogo por 4×2 na cidade de Milão (IT). Na segunda partida, no Maracanã, o alvinegro praiano precisava descontar dois gols de diferença, “foi 0x0 no primeiro tempo e depois começou a chover. De repente, 2×0 para o Santos no segundo tempo em bolas paradas.” De volta ao jogo, o time do litoral paulista derrotou o adversário por 5×2.
Com uma vitória para cada time seria necessário uma terceira partida em campo neutro, entretanto, por conta de uma intervenção do presidente do Santos, a “final” ocorreria no Maracanã. Bom, a descrição fica por conta do narrador: “Marcaram pênalti para o Santos e os jogadores do Milan foram pra cima, houve briga, o jogo foi paralisado e então reiniciado. Jogo reiniciado e quem que ia cobrar? Ninguém se manifestava e aí veio o Dalmo, o jogador tecnicamente mais fraco do Santos, todo mundo estranhou, mas o juíz autorizou a cobrança, ele converteu e o Santos ganhou de 1×0. Foi uma surpresa para todos, até para mim”.
Além de repórter esportivo, Juarez Soares operou como ativista político durante a maior parte de sua vida, colaborando na fundação do Partido dos Trabalhadores (PT), já havendo atuado como braço direito da ex-prefeita do município de São Paulo, Luiza Erundina de Souza. Foi filiado ao PT durante 21 anos, e foi eleito o 6º vereador mais votado na cidade em 1988, com 40 mil votos. Após a eleição, assumiu o posto de Secretário dos Esportes e trouxe a Fórmula 1 para o Autódromo de Interlagos.
Ainda revela que sempre levou consigo a ideologia comunista. Declara que possui uma parede em sua casa decorada com fotos de Fidel Castro trazidas diretamente de Cuba, acompanhadas de uma frase, a qual é considerada pelo jornalista sua concepção de vida: O comunismo é o desejo de igualdade entre as pessoas. O comunismo não está nas palavras nem nos livros, ele está em nossas mentes e nossos corações. Por isso ele vai existir sempre. “Como acabou o comunismo, eu quero fazer o comunismo na minha casa”, diz Juarez, com humor, porém devoto à ideologia.