O fantasma da efemeridade
Por : Tauany Cattan
Títulos com termos subjetivos chamam atenção, cá estou eu contradizendo minhas aulas de jornalismo. Por este, pretendo falar sobre um sentimento coletivo e aqui justifico a falta de objetividade nele.
Começo dizendo que o arrepio talvez não dê tão facilmente em você porque convive com isso todos os dias. Mas os filósofos e pensadores da antiguidade, caso estivessem vivendo nesses tempos, com certeza desejariam não ter nascido. A maioria deles acreditava numa vida linear, com deduções que pudessem resolver os problemas da época. Juntavam-se em praças para conversar sobre questões existenciais, e a partir daí, se formavam teorias. Sabem de nada, inocentes. Imagine só a possibilidade de viver num mundo como o nosso, onde o tempo corre cada vez mais rápido, escorre pelo ralo a cada banho tomado, as atividades se multiplicam no dia a dia, o envelhecimento assusta, ao mesmo que ansiamos cada vez mais o fim do dia chegar.
Estamos na Era dos paradoxos, na qual um elemento X, que se contrapõe ao Y, pode existir. Nos anos dos nossos pais e avós o papo era diferente do feito hoje em dia. Conversar na calçada com o vizinho levava tempo, mas e daí? Tempo era quieto, silencioso, aparecia só nos compromissos. Hoje, o que mais escutamos todo final de ano/virada é “como passou rápido”. O que passou? O trabalho? O namoro? A festa? A faculdade? O recreio? A manhã? A oportunidade? As relações? Quem não corre hoje, vira poste. Mas como leigos do mundo hipermoderno que somos, precisamos saber a diferença entre velocidade e pressa. Eu tomo meu café apressada porque a faculdade começa bem cedo. Almoço apressada porque à tardetem o trabalho. Chego em casa apressada porque não vejo a hora de descansar. Que a semana seja rápida! Sexta-feira é dia de happy hour. E o mês também, porque dia 10 eu recebo meu salário. Nem me fale do semestre! Férias!
Percebe o elemento X? A pressa; o Y é a vontade de parar. Coexistem na nossa mente, pensamentos, e ações. Passou um ano e tudo o que você mais fez foi torcer para que ele acabasse, sem a menor consideração com o tal do tempo.
Diga-me que aplicativo usas e te direi o que queres
Demos um exemplo de hipermodernidade contraditória: o fantasminha da efemeridade. Você o conhece, está presente no seu dia a dia, 24horas, passando e voltando, assim como a sua semana: o Snapchat. Amarelo e branco, disponível na Play Store e App Store, já baixou? Não? E o que está esperando? Esse aplicativo, que hoje conta com 150 milhões de usuários ativos diariamente, conquistou a mente paradoxal do jovem, adulto e, quem diria, criança. O Twitter, apesar de ter maior número de público (310 milhões por mês), não alcança o Snapchat em número diário – 136 milhões de usuários ativos. E por que? Por que uma rede nova, com um fantasminha simbólico e filtros de cachorrinho conquistou mais usuários ativos por dia do que uma rede veterana, experiente, tempo real e que cria ótimo network?
O título responde, caríssimo. Lá vai a etimologia:
Do grego, ephémeros = “apenas por um dia”. Na filosofia, “efemeridade” tem sentido aplicado na vida, vista como passageira ou no uso de significado para hedonísmo= busca do prazer pelo prazer. Na botânica,o termo é utilizado para designar as flores que murcham no mesmo dia em que desabrocham. Também se refere às plantas cujo ciclo de vida é muito curto. Os insetos do gênero Ephemera, que pertence à família dos Efemerídeos, possuem esse nome porque vivem apenas poucas horas.
O Snapchat é o novo apenas por 10 segundos. Alcançou mais de 100 milhões de usuários em alguns meses. O fantasma do efêmero dá segurança aos usuários porque o conteúdo desaparece. Contraditório, pois o duradouro qual deveria dar segurança. Esses jovenzinhos são chamados de Milennials. Eles querem consumir (e podem) informações, conteúdos e memórias antigas, vantagem a qual, no tempo do seu avô, era impossível se ter. Hoje, você pode acessar qualquer conteúdo histórico, ou memória, com alguns cliques. Esse excesso de consumo de informações consequentemente gerou uma forma muito rápida de descarte das mesmas – e de futuras. E o peso é tanto que essa brincadeira chegou no campo das relações humanas.
Eu aposto que você já leu sobre e está de saco cheio de tanto ouvir falar nas relações líquidas do grande pensador Zygmunt Bauman. O sociólogo polonês do século 20, ainda vivo, já alertava nos anos 2000 em “Modernidade Líquida” (até antes) sobre uma modernidade que se superaria, transformada numa geração a qual se relacionaria cada vez menos. Veja, não é por acaso que este assunto está “batido”. Hoje, esperamos a data de validade dos relacionamentos. Prezar para que ele dure é coisa de quem quer se machucar no fim. Apego? Coisa de pisciano com ascendente em escorpião. Eu gosto mesmo é de turistar pelas relações. Caso essa não satisfaça algum desejo meu, eu posso cair fora. Afinal, eu sou de todo mundo, e todo mundo é meu também.
Queremos efemeridade, viver a vida em 10 segundos, mais que isso é coisa de almoço em família no domingo.
Mas a grande questão por cima disso tudo é: será que vamos aprender a viver dessa forma? Será que as relações vão se basear em registros curtos, dinâmicos, com filtros de cachorrinho? Não sou qualificada para responder. Cabe a mim te provocar uma coceira. E eu quero que pense sobre esse significado de carpe diem tão falado e muito mal aplicado. Se desejamos momentos cada vez mais curtos, o que construiremos com eles? A conta é simples – menos tempo, menos relevância para o conteúdo. Quero dizer, mais descartável ele se torna. Essa reflexão não vai durar o tempo de um vídeo do Snapchat, sinto muito. E não tem filtro também, é a pura realidade.
Reflita, e cuidado com a falsa segurança dos 10 segundos.