O fim
Esse dia parecia distante. Esperava por meses até me deparar com caixas e mais caixas espalhadas pela casa. Encontrei-me perdida no meio daquela multidão. Não queria ir embora e ao mesmo tempo sumir não parecia um problema. Era visível a pressa nos passos e olhos do meu pai. Ele agia inconscientemente, talvez? Acho que nunca vou saber. Toda a agitação se passava em câmera lenta na minha mente. Eu não conseguia me mexer. Uma memória incrível para guardar do lugar que chamei de lar por tanto tempo.
Os últimos minutos foram os piores. Era o fim. Nada que eu fizesse importava. Adeus, era o que eu tentava dizer, mas não encontrava as palavras. Adeus a maior árvore do jardim, que me servira sombra, aconchego e repouso. Adeus a escrivaninha do meu quarto, por tantas horas de apoio em bloqueios criativos. Adeus a cadeira rosa da varanda, vou sentir falta dos fins de tarde ensolarados. Vazio. Era o que eu sentia. Vazia por fora e por dentro.
Nunca gostei de andar de carro. O trânsito. Ruídos descontrolados. O desespero. A pressa. O caminho parecia mais longo a cada quilômetro. No fundo dos meus óculos escuros, eu chorava. Talvez fosse tristeza. Ou alívio. Chorava descontroladamente, em silêncio, claro. Ninguém percebeu e essa era a intenção. Como poderia me apegar tanto a um espaço? Os últimos meses foram péssimos. Angustiantes. A vida acontecia lá fora, enquanto apenas as paredes me faziam companhia. Pela janela, observei o movimento e por um instante desejei estar ali. Percebi minha respiração cada vez mais lenta. Seria esse o fim?
O silêncio permaneceu. “Chegamos!”. Disse minha mãe, com uma voz cansada e misturada com uma leve euforia. Eu também estava cansada, sem ao menos mover um músculo. O céu estava lindo naquela tarde de sexta-feira. A vista me impressionou. No meio de tantos prédios ainda consegui ver o reflexo do pôr do sol nas janelas. Por um segundo me perdi novamente. Talvez não seja o fim. Ou talvez seja um final com cara de recomeço. Recomeçar talvez seja inevitável. Doloroso. Necessário. E lindo.