Os dias que não acabaram
A triste história do ataque contra civis que marcou o século XX
Há 75 anos, aconteciam os primeiros ataques de armas nucleares contra populações civis na história humana. Localizadas no Japão, as cidades de Hiroshima e Nagasaki foram devastadas pelo poder destrutivo das bombas chamadas Little Boy e Fat Man, e mais de 200 mil pessoas perderam suas vidas. Mais de sete décadas depois, ainda é possível encontrar resquícios das consequências do acontecimento na política, cultura e sociedade.
Os fatos precedentes
Durante a Segunda Guerra Mundial, o Japão fez parte do Eixo, tríade de países formada ainda por Alemanha e Itália. Esses países compartilhavam interesses em comum, como ideias autoritárias, expansionismo, militarismo e forte oposição ao comunismo soviético. Em agosto de 1945, Mussolini e Hitler, principais representantes do nazifascismo, estavam mortos e a guerra europeia já havia acabado. Em curso, conflitos no pacífico ainda aconteciam desde 1941. É nesse contexto que Harry S. Truman, Winston Churchill e Joseph Stalin decidem publicar uma proclamação que define termos de rendição para o Japão. Com a recusa inicial do país asiático, o governo estadunidense decidiu bombardear as cidades de Hiroshima e Nagasaki.
Segundo Rodrigo Medina Zagni, professor na UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo) e autor do livro “Identidades em Guerra”, as justificativas imediatas são inconsistentes. “Elas dizem respeito à rendição incondicional do governo japonês, porém sabemos que isso significa o fim do império japonês. O argumento de pôr fim à guerra é estapafúrdio porque, na prática, não temos mais a simetria de forças nesse momento. O Japão já considera a rendição, já está dado o fim do conflito em relação à simetria de poder”, afirma.
Os bombardeamentos
Com duas bombas nucleares produzidas no Projeto Manhattan, programa de pesquisa e desenvolvimento liderado pelos EUA, as cidades de Hiroshima e Nagasaki foram bombardeadas em 6 e 9 de agosto, respectivamente. O poder de destruição das bombas, equivalente a mais de 16 mil toneladas de TNT, devastou as duas cidades e matou milhares de pessoas imediatamente. Uma parcela das vítimas foi vaporizada pelo calor liberado na explosão e outras milhares morreram carbonizadas nos incêndios que se instalaram pelas regiões. Dos 140 mil mortos em Hiroshima, estima-se que 90% eram civis.
As tristes consequências
Após os ataques e a rendição oficial do país em 2 de setembro de 1945, os EUA ocuparam o território japonês até meados de 1951, quando é assinado o Acordo de Paz de São Francisco. Em virtude da Segunda Guerra e dos bombardeamentos, o Japão passou por profundas crises econômicas e conseguiu se recuperar pela criação de inúmeras parcerias econômicas com o governo norte-americano. A recuperação do país ficou conhecida popularmente como “milagre econômico japonês”.
Porém, as consequências humanas dos bombardeamentos foram ainda mais imensuráveis. Para alguns sobreviventes, problemas de saúde causados pela radiação se tornaram constantes e a estigmatização se tornou presente em seus cotidianos. “Sobreviventes ocultavam a condição de terem sido sobreviventes, porque se desconheciam as consequências das saúdes físicas dessas pessoas, da exposição a esse tipo de armamento. Muitos deles tiveram dificuldades para se casar e não sabiam o que poderiam ocorrer com seus filhos”, comenta Rodrigo. A incidência de leucemia e outros tipos de cânceres foi constatada em um estudo promovido pela Radiation Effects Research Foundation. O governo japonês reconheceu as vítimas da “chuva negra”, uma chuva radioativa que ocorreu nas regiões após os bombardeamentos, apenas em julho de 2020. Segundo o historiador, os Estados Unidos tentaram minimizar a repercussão dos efeitos trágicos do ocorrido. “Não apenas o governo dos Estados Unidos censurou imagens dos mortos e dos sobreviventes mutilados dentro e fora do Japão, como ainda estamos descobrindo imagens do período”, explica.
Hiroshima e Nagasaki ainda recordam as vítimas com memoriais e homenagens todos os anos. Entretanto, a postura do país responsável pelo ocorrido ainda incomoda historiadores e especialistas em relações internacionais. “A política externa nos EUA jamais fez qualquer movimento de reflexão crítica acerca da decisão de ter desgraçado tantos destinos. Parece mais cômodo o silêncio, ainda que esteja carregado de violências continuadas”, lamenta Rodrigo.