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Expressar-se artisticamente pode funcionar como forma terapêutica por si mesma ou  complemento na psicoterapia tradicional.

 

Expressar-se é fundamental. Não ao acaso, os métodos terapêuticos valorizam e incentivam a palavra como chave poderosa para desencadear o processo do autoentendimento. Dados do OMS (Órgão Mundial da Saúde) comprovam que 9,3% da população brasileira, equivalente a 18,6 milhões pessoas, sofre com Transtorno de Ansiedade. Quanto às vendas de medicamentos, antidepressivos e estabilizadores, houve um aumento de 58% entre 2010 e 2014, segundo a IMS Health (Intercontinental Medical Statistics). Com números que se elevam de maneira quase epidêmica, é preciso repensar a interação do sujeito, tanto com o meio externo quanto com suas próprias questões internas e pessoais.

 As atividades artísticas parecem ser grandes aliadas daqueles que buscam meios para além dos consultórios clínicos. Professora de Psicologia da Faculdade CESUSC, em Florianópolis, Alice Casanova dos Reis explica que existem diferentes psicologias e diferentes abordagens teóricas neste campo que concebem possibilidades diversas de relação com o campo das Artes. “A Psicologia pode enfocar, por exemplo, os processos de criação artística ou os processos de recepção de uma obra de arte, mas talvez o mais conhecido seja o diálogo da psicologia com a arte como forma de terapia”, diz. 

No contexto interseccional entre arte e psicologia está a Arteterapia, definida pela Associação de Arteterapia do Estado de São Paulo (AATESP) como a exploração e a valorização da expressão artística para o desenvolvimento pessoal do sujeito. Este é um processo terapêutico mediado pela criação estética. “Em um contexto terapêutico, o fazer artístico potencializa o contato da pessoa com os próprios sentimentos e desejos, sua expressão e transformação, contribuindo para o desenvolvimento da criatividade, ser criativo em relação à própria vida”, afirma a professora.

O corpo, como as palavras, é também um instrumento extremamente potente de expressão. O teatro, em sua essência, busca aprimorar a conexão entre cada aspecto, físico e psicológico, a fim de passar uma mensagem. Atriz baiana, aos 20 anos, Isadora Mesquita descreve a sua relação pessoal com as artes cênicas como uma “cura”. “Eu tenho entendido cada vez mais o teatro como também um possível lugar de arte–terapia. Eu tive a oportunidade de ter vivências teatrais que me marcaram profundamente nesse sentido, principalmente em relação à ansiedade. São tantas práticas diferentes que te provocam e te tiram da sua zona de conforto. São exercícios que você acaba levando pra vida”, conta.

Nos palcos, jogos teatrais e atividades de improvisação são muito utilizados. Neste ambiente, a zona de conforto é posta em questão. “Já na faculdade, estudando sobre improvisação no teatro, tomei consciência de que a vida é de fato uma improvisação. A gente sempre está jogando com o outro. O importante é não deixar a peteca cair”, relembra Isadora. Para ela, o fazer artístico é visceral. É o seu instante de sentir-se viva. 

Ainda que por um instante breve, em cima dos palcos ou nas salas de aula, a sintonia externa criada por meio dos vínculos artísticos pode ser fundamental para lidar com questões internas. “Este é um caminho muito particular para cada pessoa, mas acredito que é essencial a busca por construí-lo com os próprios passos, descobrir o que é verdadeiramente importante em sua vida, diferenciar entre o que expande seus potenciais e entre o que os diminui, fazer escolhas e seguir em frente, aproveitando o momento presente e criando, dentro do possível… o futuro.”, avalia Alice Casanova.

Na perspectiva de quem respira por sua própria arte, esta é sobre se libertar. “Certa vez eu li uma entrevista com Fernanda Montenegro sobre conselhos que ela daria pra jovens que queriam ser atores e ela dizia ‘Desista! Agora, se morrer porque não está fazendo isso, se adoecer, aí volte’. Eu acho que é isso. Mas para além da paixão da pessoa que faz teatro, ele é uma arte e ferramenta muito importante para expressão do ser humano. O teatro é, de fato, libertador. E uma vez que você se conhece, não tem nada nem ninguém que possa te parar”, garante a atriz.