Regiões periféricas enfrentam desafios no combate à pandemia
A realidade de uma UBS e as atitudes da população durante o avanço do coronavírus
Entre 209 milhões de brasileiros, aproximadamente 75% depende do SUS. Hoje, com a pandemia do novo coronavírus se espalhando cada vez mais por nosso país, as regiões mais afetadas são as constituídas por favelas e conjuntos habitacionais. Como é o caso de Brasilândia, Cidade Tiradentes e Sapopemba. Esta última já ultrapassou a marca de 100 mortes causadas pelo vírus e é o distrito mais afetado da cidade de São Paulo.
No SUS, a porta de entrada dos cidadãos é a UBS (Unidade Básica de Saúde), serviço que precisou de diversas mudanças para a adaptação à nova realidade, como os outros ainda em funcionamento. Com muitos especialistas acreditando desde o início do ano na gravidade que estaria por vir, as adequações começaram cedo na rede. Exemplo disso é o treinamento dos funcionários e a reformulação das formas de funcionamento de cada unidade, feitas de forma antecipada.
Tomando como base a UBS Hélio Moreira Salles, localizada no distrito de Sapopemba, zona leste de São Paulo, é possível entender melhor como foi esse preparo. Além da maior utilização de equipamentos de proteção individual, houve readequação de salas de atendimento devido a arquitetura da unidade, marcação de distanciamento na farmácia, recepção e sala de espera na parte de fora e vacinação em uma tenda também na parte externa.
Serviços como as consultas de rotina agendadas foram canceladas, mas os pacientes que necessitam de acompanhamento, como hipertensos, gestantes e crianças, estão sendo atendidos. Cada um com suas particularidades e cuidados necessários, alguns são atendidos por telefone e recebem suas receitas de remédio em casa. Já as gestantes e crianças até um ano são atendidas em casa sempre que possível.
E como o funcionamento da UBS não se resume nos serviços prestados dentro da unidade, o trabalho dos agentes comunitários de saúde também foi adaptado. Esses profissionais são responsáveis por visitas às casas dos pacientes para fazer o acompanhamento, levar informações e cuidados necessários. Atualmente, as visitas estão sendo feitas em número menor, dando preferência aos pacientes que precisam de mais atenção. Além disso, os agentes não estão entrando nas casas e gestos simples, como assinar a ficha para confirmar a visita, foram deixados de lado.
O problema é que mesmo com todas as medidas de prevenção tomadas, é necessário colaboração do povo, que não acontece muito. “Até com orientação e as marcações no chão poucos pacientes aderem ao distanciamento”, relata Vanessa da Silva, 40 anos, auxiliar de enfermagem da UBS Hélio Moreira Salles. Ainda, inúteis são os esforços da área da saúde se as outras áreas não tomarem as atitudes necessárias para contribuir com a conscientização do povo.
“Aqui nessa região as pessoas não estão conscientizadas, não entendem a seriedade da pandemia e a necessidade das medidas de prevenção. Há um movimento muito grande de pessoas nas ruas, mesmo com orientação para ficar em casa. Fora que diversos bares e alguns outros comércios estão abertos, com muitas pessoas se aglomerando e se contaminando”, declara Mirian Vieira, 48 anos, agente comunitária de saúde.
Mesmo com a baixa aderência do povo às medidas de proteção e ao isolamento social, existe o medo e ele é entendido por alguns funcionários como o motivo da demanda maior do serviço de pronto atendimento. Na UBS Hélio Moreira Salles, muitas pessoas procuram o serviço com sintomas do novo coronavírus, mas o problema é que a unidade não possui testes ou sorologia para oferecer aos pacientes. “Uns 30 pacientes que passaram por aqui foram testados positivos para Covid-19. Só que os testes foram feitos na rede particular e ficamos sabendo pelas agentes comunitárias, pois os pacientes não voltaram mais aqui”, afirma a auxiliar de enfermagem.
A falta de testes é um problema que além de fazer o povo desistir de procurar o SUS, por saber que não irá ter resultados, leva a subnotificação. Os pacientes que entram com queixa são notificados como sintomáticos respiratórios, mas os que dependem exclusivamente do SUS não conseguem fazer o teste para confirmar a condição. Então, são colocados em isolamento em casa e recebem atendimento por telefone durante 14 dias. No caso de não apresentarem melhora ou aparecerem sintomas mais preocupantes, são encaminhados para o Hospital de Campanha Anhembi.
Por fim, mesmo com todos os desafios, o risco e a falta de recursos para um serviço com melhor eficiência, muitos profissionais como Vanessa e Mirian não desistem. “O que vivemos é uma questão de enfrentar os desafios e ter na cabeça que temos que prestar o melhor serviço possível, para no final do dia olhar para o outro e perceber que as coisas estão indo, que ajudamos pessoas. E isso é o mais gratificante de tudo”, finaliza a agente comunitária.