Segredos de Cairo
Por mais que nunca tenha me faltado nada, sentia que faltava algo na sociedade em que vivia. Cresci assistindo tantos programas tão diferentes da minha realidade, que acreditava que existiam dois mundos. Como não amar onde vivo? Bom, apesar de alguns (ou muitos) olhos mal intencionados não nos respeitarem, eu não consigo viver de outra forma. O clima quente, as tão famosas pirâmides, e o mais importante, o povo.
Apesar deste amor, imagino como seria viver e ter vivido da forma que vejo nos filmes. Aqui as noites são tensas, apesar de serem romantizadas pelo mundo afora. Apesar de meus privilégios dentro de casa, me deparo com um cenário caótico quando vou ao centro de Cairo. Há quem sentiria medo, mas é a minha casa. Na escola é onde os meus colegas compartilham seus pensamentos mais pecadores e desejos que não devem chegar até suas famílias, e é assim que seguimos em frente.
Diferentemente do que muitos podem pensar, não me visto como uma árvore de natal para ir apreciar um bom koshari. Na verdade, é tudo muito simples, mas elegante. Pensando bem, eu não entendo o que o mundo pensa e sente em relação a nós. Uma hora somos todos terroristas que querem dominar o ocidente, e outra somos uma nação tão charmosa e com tanta importância histórica. Acho engraçado que os que não tem vergonha de expressar o desgosto por nós, são os mesmos que se vestem de nossa nacionalidade nas festas a fantasia de seus países.
Bom, se você está se perguntando sobre minha vida amorosa neste contexto, não espere muito. Eu nunca pude namorar e nem mesmo deixar um sentimento por algum garoto crescer. Não se sinta mal, pois não é como se eu sentisse vontade de ter uma relação com os garotos (que estão mais para meninos) da minha classe. As coisas aqui não funcionam como nas comédias-românticas que você está acostumado a assistir. Aqui, a sociedade é comandada pela honra e a religião prevalece.
Caso você venha para a minha terra e se sinta encarado, calma, nada vai acontecer. Você só é um pouco diferente. As coisas por aqui não costumam mudar, não estão acostumadas com a novidade. Todavia, se você for simpático com meu povo, nós vamos te abraçar em dobro. Para isso, não se esqueça que agora você está sob nosso território, então respeite nossos costumes e cultura. E o mais importante, deixe o seu white savior complex no aeroporto de seu país.
Eu venho de um lugar muito nacionalista, em que a maioria das pessoas que deixam-o o fazem por falta de opção, como por exemplo ter que escolher entre uma vida de miséria ou tentar ter uma vida descente em um lugar desconhecido. Sabendo disso, você deve imaginar que não é simples almejar uma realidade diferente em alto tom, fazendo com que tantas garotas sonhem sozinhas em seus quartos. Muitas pessoas podem pensar que não amo minhas origens, mas na realidade, eu não escolheria ter vindo de qualquer outro lugar. Mas, às vezes, ter a experiência que é globalmente considerada como a “ideal” é desejável.
No final das contas, tenho que aceitar que não sou uma garota do sul da Califórnia com pais compreensíveis e que me deixam namorar. Que nunca vou acordar embriagada na casa de algum desconhecimento pois a noite anterior foi maluca de tão boa. Quando eu crescer e me tornar uma mulher, vou viver a vida que sempre sonhei. O caminho vai ser demorado, mas vai valer a pena.