Seu Sidnei e o país da desigualdade
“Os livros salvam” sustenta Seu Sidnei, vendedor ambulante de livros de segunda mão, aceitando trocas de exemplares como forma de pagamento
Nascido em Mogi das Cruzes (SP), Sidnei Rodrigues Neves, 49, mora há 15 anos em São Paulo, e desencadeou no comércio de rua vendendo legumes e verduras para restaurantes nos arredores do Mercado Municipal durante seu primeiro ano na capital. Logo que chegou residiu nas ruas, obtendo condições de custear pequenos quartos de hotéis para passar a noite apenas seis meses depois de sua chegada. “Tem que dar condições para as pessoas pobres”, desabafa, “mas isso vai demorar, porque o ser humano tem que evoluir. Para ser político tem que saber o que está fazendo. Enquanto a gente se mata pra conseguir dez reais eles tão levando 300 milhões”, queixa-se do governo por conta da falta de oportunidades igualitárias. Com o carrinho de madeira abarrotado de livros, seu Sidnei diz não ter tido oportunidade de estudo, mas afirma que aprende um pouco com cada pessoa que conhece seu trabalho. “Não tenho televisão nem nada disso. Sou muito observador, adquiro esses meus pensamentos com o público que vem aqui, ouvindo a conversa de pessoas inteligentes. Além de vender livros, analiso fato por fato.”
Vendendo verduras, assim que chegou na capital, Sidnei reuniu recursos até conseguir espaço na Rua 25 de Março, principal centro de compras de São Paulo, passando a trabalhar com artigos de futebol, como peças de roupa e acessórios. Após 10 anos na região, cansou-se do tumulto da 25 e deu início à venda de livros de segunda mão na Rua Frei Caneca, Cerqueira César. Após alguns anos, seu Sidnei já havia juntado um apinhado de livros, quando migrou para a Rua da Consolação, mais especificamente para o pontilhão que cruza o Minhocão.
As obras literárias, sempre doadas, na maioria das vezes por pessoas em condição de rua, abrangem variados gêneros, desde a biografia de John Lennon até obras shakespearianas. Os preços são acessíveis e o pagamento também pode ser feito à base de troca de exemplares. “Os moradores de rua sempre me trazem livros, e eu sempre dou 5 ou 10 reais, sempre dou o que eles precisam. Nunca nego nada, dou porque gosto, porque também já morei na rua, porque sou igual a eles.” conta, emocionado, relembrando da época em que vivia nas ruas, e grato por sua fé tê-lo ajudado a crescer no comércio ambulante.
Sidnei Rodrigues Neves faz parte dos, aproximadamente, 100 mil vendedores ambulantes da cidade de São Paulo, o que equivale a 1,7% da população, segundo a fundação de pesquisas científicas brasileira SciELO. A pesquisa também aponta que, desde 2013, os comerciantes de rua aumentaram em cerca de 19,8% do total, sendo que o afrouxamento da extrema proibição do comércio de rua dada por Gilberto Kassab em 2012 e a vigente crise no país são apontadas como as principais justificativas.
Nem sempre vistos com bons olhos, os vendedores ambulantes custam a conseguir licenciamento de trabalho, dado que o governo atual pretende controlar o mercado autônomo e destinar a este apenas alguns espaços da cidade, preocupado com a inserção de trabalhadores no mercado brasileiro, consequentemente gerando mais lucros para o país, ainda que tal pretensão seja inviável, uma vez que o comércio autônomo tem participação na sustentação do monopólio econômico. “Hoje em dia, para a gente conseguir um cadastro na prefeitura não tem nem conversa. Cheguei lá e a moça do atendimento não me deixou nem chegar no setor recomendado, nunca tem vaga, nunca tem nada. Não tenho voz. Não só eu como todos os trabalhadores de rua. Tem que dar possibilidade pra gente trabalhar e ganhar nosso dinheiro.” lamenta Sidnei, que se diz apartidário e não vota há 3 anos por não se sentir representado por nenhum candidato. ”Minha esperança é o jovem de hoje, que não pode deixar o Brasil virar o que virou. A literatura faz a gente abrir os olhos pra realidade, pra o que a gente não enxerga. Eu procuro dar as informações que os jovens precisam através dos livros. As pessoas encontram o que buscam aqui. Tô satisfeito” complementa, orgulhoso de seu trabalho.
Lutando pelo licenciamento e reconhecimento dos órgãos governamentais, os vendedores ambulantes estão sujeitos à competitividade e direitos escassos, já que não contam com a legalização de seu trabalho. “É que nem o Tim Maia falava: enquanto uns riem, outros choram. E cada um tem o que merece né? Se você teve oportunidade de estudo e correu atrás de um trabalho honesto, bonito. Mas nós que não tivemos estudo, estamos aqui com isso que temos, e é o que merecemos, mas também precisamos de oportunidade.”
Ora, seu Sidnei, mas em um país no qual prevalece a desigualdade, quem dá aos outros o pouco que tem, merece muito!