A relação entre vestuário e protesto

Apesar de ser um manifesto, a moda ainda não é uma ferramenta acessível e democrática

Frases como “Vidas Pretas Importam” e “Lute Como Uma Garota” estampadas em camisetas ou o black power e as jaquetas de couro, marcantes no movimento dos Panteras Negras nos anos 60, são exemplos de como a moda pode ir além do ato de se vestir: ela serve como um manifesto. Em muitos protestos, a vestimenta é capaz de ajudar a transmitir uma mensagem. Por outro lado, a moda também pode ser usada para reforçar violências, porque também é um marcador social, como ressalta Bárbara Poerner, de 23 anos, redatora do Fashion Revolution Brasil: “Ela não é uma ferramenta de expressão para todos, porque a gente ainda tem um mundo marcado pelo machismo, racismo e homofobia”.

Em meio a Guerra Fria e a Guerra do Vietnã, as palavras “paz e amor” marcaram um grupo que transformou a moda em um meio de fazer críticas aos problemas da sociedade: o movimento hippie. Foi nesse momento, na década de 60, que as camisetas com frases surgiram, como conta a stylist e produtora de moda, Barbara Milena do Nascimento, de 22 anos: “Elas foram usadas por grupos contraculturais naquele momento tão conturbado. As camisetas traziam símbolos de paz e cores psicodélicas”.

Enquanto armas eram utilizadas como forma de mostrar poder, para os hippies uma flor na mão ou na cabeça era o que faria a harmonia e o equilíbrio florescerem no mundo. Por meio da vestimenta, eles apontavam, além das guerras, questões como o consumismo e a destruição do meio ambiente.

A produtora de moda relembra também outro movimento nos Estados Unidos que lutava pelo fim do racismo, pelo respeito, igualdade e contra a opressão da comunidade preta: os Panteras Negras. “Estilo era uma de suas formas de protesto. Sempre bem vestidos de preto com roupas de couro, boinas e o cabelo black. Esses eram um símbolo de resistência na época”, conta Barbara do Nascimento.

Se a estética europeia era o padrão, o estilo dos Panteras Negras criticava e quebrava os padrões de beleza estabelecidos pela sociedade, e que sempre oprimiram povos de diferentes etnias. A utilização da moda nesse protesto foi uma maneira de libertação. “Cabelo, roupa e sapatos transmitem tudo o que somos. Grupos ou tribos são identificados por suas vestimentas”, diz a stylist.

Foto: Jack Manning/Getty Images

Esses foram alguns exemplos de como o vestuário pode se comunicar. “Desde que homens e mulheres começaram a se vestir para se proteger do frio na era primitiva, a roupa começou a ser usada como definição de status social e manifesto”, diz Dandara Valadares, de 29 anos, do departamento de comunicação e relacionamento no Fashion Revolution Brasil.

O protesto por meio da moda é variável de acordo com o contexto social e com quem está protestando, como conta Bárbara Poerner. “Muitas vezes as mulheres ainda têm que se preocupar com a roupa que vão usar na rua por medo de serem assediadas verbal ou fisicamente. Ou enquanto pessoas negras têm que se preocupar com a forma que elas vão se vestir para uma entrevista de emprego, por exemplo, porque o racismo está ali intrínseco nas relações de trabalho”. A redatora reforça que a moda ainda não é uma ferramenta democrática, ao mesmo tempo que expressa os nossos espíritos do tempo.

A produção de camisetas estampadas com frases, por exemplo, nem sempre vai de acordo com as palavras ali inseridas. Hoje, é importante se perguntar e investigar quem produziu aquela peça e em quais condições. Poerner relembra o caso da contraditória campanha de empoderamento feminino do grupo musical Spice Girls, em 2018. A #IwannabeaSpiceGirl nas camisetas mostrava o objetivo de arrecadar dinheiro para a organização de caridade Comic Relief. Mas uma reportagem do The Guardian denunciou que essas blusas eram produzidas por funcionárias em condições de trabalho análogo ao escravo. “Tem que olhar para toda cadeia produtiva, porque o produto final é só uma ponta. Antes disso tudo ele passou pela vida de muitas pessoas e mulheres. E como estão essas mulheres? Será que elas estão empoderadas? Será que elas estão com seus direitos garantidos?”, reflete Bárbara Poerner.

Com a proporção da comunicação pela vestimenta, a stylist Barbara do Nascimento conta que as marcas acabaram vendo nessa forma de protesto uma oportunidade de deixar seus nomes ali estampados, e o consumismo banalizou esse meio de manifestação. Na mesma linha, Dandara fala da importância de uma sociedade consciente e questionadora na hora da compra; “Acabamos perdendo a conexão com os processos produtivos do que consumimos”. E reforça: “Quanto mais as pessoas questionam, mais as marcas percebem que precisam ser mais transparentes em seus processos”.

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