A vida em quarentena

Três gerações de mulheres com personalidades fortes, em quarentena na mesma casa, o que poderia dar errado? A resposta dessa pergunta chegou para mim no terceiro dia de isolamento, quando minha avó tomou a frente e começou a primeira briga. Ela costuma tomar seu café pontualmente às oito da manhã, mas naquela quarta-feira abriu o armário e encontrou sua xícara trincada. O resultado foi um voto de silêncio até que a culpada se pronunciasse, eu a minha mãe recebemos olhares tortos durante todo o dia, até que ela se lembrasse que no dia anterior havia, ela mesma, batido a xícara na mesa da cozinha e causado a rachadura.

Com o tempo cada vez mais coisas se tornaram motivos de briga e no décimo sexto dia depois do primeiro ocorrido, tudo voltou à tona em um momento de tensão. Quando eu e minha mãe começamos uma discussão sobre onde nosso cachorro deveria dormir, dentro de casa ou no quintal, minha avó tomou as dores do bichinho e começou um longo discurso, em que dizia o quanto seria cruel deixar que o Luke dormisse sozinho e no frio. Tamanha era sua indignação que outros erros foram usados de exemplo contra nós, um arroz queimado, uma porta que não foi trancada e até um chinelo dela que minha mãe ousou calçar para ir à padaria. Mas o pior ela deixou para o final, nosso erro mais grave, a única coisa que ela não poderia perdoar em todos esses dias trancadas na mesma casa. Ela respirou fundo e disse:

– E não pensem que eu esqueci que uma de vocês lascou a minha xícara preferida e nem se quer me pediu desculpas. 

Talvez as coisas voltem ao normal após tudo isso passar, mas de uma coisa eu tenho certeza: minha avó pode até superar a quarentena, mas nunca nos deixará esquecer essa xícara.