As frutas de Carmen

A icônica moda imaginativa do Miranda Look

O que é que a baiana tem? De acordo com Maria do Carmo Miranda da Cunha, ou como é mundialmente conhecida, Carmen Miranda, tem tudo que precisa para se tornar inesquecível. Portuguesa de nascença mas brasileira de alma, foi atriz, cantora e dançarina, tornou-se a personificação do Brasil e de toda a América Latina.

Carmen inicia sua vida em Portugal no ano de 1909, durante a efervescente Belle Époque. Porém, logo cedo constata uma das várias dualidades que sua vida teria: o assassinato do rei D. Carlos I, que trouxe a instabilidade e o senso de urgência em Portugal, e nesse cenário caótico que seus pais decididos a proteger seus filhos e recomeçar, chegam de mala e cunha no Rio de Janeiro, na região da Lapa.

Já melhor estabilizados, a família acha por bem matricular a jovem em um colégio de freiras, levando-a a conviver com o tradicionalismo, tanto nas roupas quanto na rotina. Mas a matéria-prima para seu sucesso já se mostrava desde cedo: aprendeu com a irmã mais velha, Olinda, a apreciar o tango, as modinhas e o samba. Conseguiu trabalho em uma gravataria e praticava sua comunicação e carisma com o público, mas logo foi demitida por cantarolar demais. Isso a levou a outro emprego, em uma chapelaria, treinando seu talento para a criação de chapéus e turbantes.

Assim, a jovem artista viu chegar o Modernismo e transformar sua realidade. A Lapa dessa época – anos 1920, conhecidos como os “anos loucos” – era vanguardista e liberal, frequentada pelo pintor Di Cavalcanti, o compositor Villa Lobos e o maestro Pixinguinha, por exemplo. Carmen começa a se apresentar na pensão de sua mãe e é descoberta como cantora.

Pioneira desde o início, foi a primeira artista do rádio a ter um contrato em produções audiovisuais, possibilitando ser reconhecida não só por sua voz, mas também por sua fisionomia. E assim nasce o que seria seu maior legado, o Miranda Look, com cores fortes, balangandãs exclusivas, e muitos elementos a la baiana.

Suas escolhas fashion, porém, traziam lados opostos da mesma moeda. Por um lado, seus turbantes, saias rodadas, colares, pulseiras e salto plataforma davam visibilidade às importantes baianas. Mulheres, em sua maioria negras, que através da comida, da religiosidade e da vestimenta, tornaram-se símbolos culturais e patrimônio histórico de nosso país.

Por outro lado, é inegável o fato da melhor facilidade de aceitação e compreensão que o público viu Carmen com as mesmas roupas, já que era uma mulher de pele clara, com olhos verdes e situação financeira muito mais confortável. O fato é que todos esses ornamentos fizeram com que fosse registrada uma forte mensagem visual para o público, elevando o patamar da artista a uma persona maior que si mesma através da moda.

Já consagrada, a “Rainha do Samba” levou o Brasil para o estrangeiro, e foi na era de ouro de Hollywood que alcançou o American Dream com seu South American Way. Nesse período, seus looks ganharam repercussão mundial e o Miranda Look estampou vitrines e telas technicolor hollywoodianas. É importante ressaltar que Carmen ascendeu no período da Segunda Guerra Mundial, não somente como uma novidade cultural, mas também como um sopro de alívio a um público já tão endurecido pelos horrores vividos durante a época.

 

É nesse contexto que suas roupas e identidade visual como um todo tornam-se inesquecíveis. Com seus 1,53cm, Carmen tinha uma vasta coleção de saltos plataforma, que ajudou a popularizar com a ajuda do estilista de sapatos Salvatore Ferragamo. Seus vestidos, cropped’s e saias eram feitos sob medida, carregados de brilho, ornamentos, fru-fru e lantejoulas, valorizando sua silhueta. Os turbantes, muitas vezes feitos por ela mesma, tinham arranjos de todas as cores e eram enfeitados com borboletas, guarda-chuvas, pirulitos e não podendo esquecer, as frutas, a eternizando como a “Lady in the Tutti-Frutti Hat”.

Toda essa opulência e teatralidade caracterizaram Carmen Miranda como uma das grandes artistas do século XX. Sua influência é gigante, sendo fonte de inspiração para artistas como a cantora e empresária Anitta, relembrada nas passarelas por estilistas como Miuccia Prada e Jean Paul Gaultier e na revista VOGUE Brasil com seu Chica Chica Boom.

A mulher que viveu em torno de duplos – seja na nacionalidade, no idioma ou nas roupas – conseguiu traçar para si um caminho distinto de todos os outros. Assim como a vida que construiu, Carmen Miranda era única, vibrante, talentosa e refletiu com excelência sua complexidade e intensidade rumo a eternidade.

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