O homem das botas pesadas

Hoje de manhã eu vi um borrão azul saindo pela porta, ele ama aquela camiseta. O sol ainda não tinha nascido, mas eu olho ao redor da sala e reparo na coberta em cima de mim. Apesar dele odiar quando eu caio no sono com a televisão ligada, sempre acaba me cobrindo com aquela colcha rosa cheia de bonequinhas estampadas e tenta não me acordar com seus passos pesados no chão.

No almoço ele apareceu com uma marmita em uma mão e uma garrafa de refrigerante na outra. 

– O restaurante teve uma entrega na rua de cima e trouxe o almoço de vocês. Só tem guaraná na geladeira, então eu trouxe a sua coca. 

O dia acabou passando rápido, eram quase seis da tarde quando eu ouvi o barulho das botas batendo na varanda. Eu já sei o roteiro, ele fechou o restaurante às três, passou no banco que fica no caminho de casa e depois no mercado. Sei disso porque amanhã é dia de repor o estoque e eu costumo arrumar as compras na despensa, enquanto ele fica lá do fogão me contando os planos para o futuro, com espaço para mim em todos eles.

Depois do jantar ele sentou na cama e assistiu ao canal de esportes, assim como fez ontem e em cada um dos dias anteriores a este. Perguntei como foi o dia e a resposta foi curta.

– Cansativo.

Como o homem de poucas palavras que é, acho que ao longo da vida ele encontrou outras formas de dizer como se sente. Mas desde pequena aprendi a reconhecer os sinais, seja me cobrindo de manhã ou cozinhando a minha comida favorita sempre que pode. Ele nunca precisou dizer “eu te amo” com todas as letras para que eu me sentisse amada.