#PontoCego – A Forma da Água

Do diretor ganhador do Oscar 2018, o filme mergulhado em referências e outras estatuetas se destaca numa poesia visual de agradar todos os corações, além de contar com metáforas muita mais que visuais e curiosidades que se afundam no ponto cego do cinéfilo.

 

Guilhermo del Toro é do tipo de diretor que tem muito cuidado em elaborar símbolos e significados com os menores detalhes: utilizou movimentos de câmera, cenografia, cores e personagens para transmitir as principais mensagens.

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O nome do cinema localizado abaixo do apartamento de Elisa e Giles se chama Orpheum. Esse faz referência à mitologia de Orfeu, que é considerado poeta e médico. Orfeu, consagra seu amor por Eurídice e a resgata das garras de Aristeu, o antagonista que atrapalha o desenrolar do episódio romântico dos personagens. Além disso, utiliza seu poder de cura para salvar a amada, tudo isso para estabelecer uma metáfora para o casal de protagonistas do enredo.

Na dinâmica dos personagens, existem diversas sutilezas, todas trabalhadas em cima da temática do filme, de modo que cada um dos personagens centrais tenha suas histórias de amor, sendo essas felizes, ou não. Entretanto, todos eles sofrem com problemas para se comunicar em suas relações amorosas.

Giles e o rapaz da lanchonete: durante boa parte do filme, o protagonista tem dificuldades em se declarar e, quando finalmente consegue expressar isso, descobre que o homem é homofóbico e racista.

Zelda e o marido: ela se apresenta em um constante estado de frustração por não se entender com seu marido apático.

Strickland e a esposa: o personagem usa sua posição de poder dentro de casa para, literalmente, silenciar sua esposa.

Hoffstetler e a ciência: como disse o próprio Del Toro, o cientista é o único que vive um romance não romântico, já que sua única paixão é a ciência.

Elisa e a criatura: perceber a incomunicabilidade desses personagens é essencial, já que isso ressalta a poesia entre Elisa e a criatura. Ironicamente, os únicos personagens do filme incapazes de falar são os únicos que conseguem se comunicar sem problemas.

As cores, para Del Toro, vão muito além de deixar a fotografia mais bonita, mas carregam uma mensagem que ajuda a fluir o andamento da história.

O ciano é representado dentro do universo de Elisa através das cores e iluminações em seu apartamento, para mostrar o quanto a água é presente e importante em sua vida. Nas demais casas, as cores mudam, já que são compostas de tons amarelados. Ou seja, todos eles têm algo em comum, mas Elisa se destaca deles.

O verde é nomeado no filme como “a cor do futuro” e usado em várias cenas para compor a misé en scène e criar uma atmosfera aquática, semelhante ao habitat da criatura.

O vermelho, como disse o próprio diretor, é usado em seus filmes apenas para representar o amor, o sangue e o cinema. Em certos trechos do filme, a cor aparece no figurino de Elisa e no pôster que mostra a família feliz. A utilização da cor no sangue também é evidente, mas o significado mais inusitado que o autor atribuiu à cor é o cinema.

A cor aparece presente no figurino da personagem principal e, conforme ela se apaixona pela criatura, os elementos vermelhos ao seu redor vão surgindo com mais frequência. No fim, com o andamento do enredo, ela se encontra vestida pela cor da paixão e totalmente envolvida com o ser da água.

A água foi utilizada muito além de sua forma física, mas também nos movimentos de câmera, em que flutua como água e cria um deslocamento lento, estável e fluido, bem evidente em planos dinâmicos e longos. Além disso, ela simboliza uma metáfora com o amor, como o próprio diretor comentou:

“Bruce Lee lindamente expressou isso dizendo: ‘O elemento mais poderoso do mundo é a água. Ela pode ir onde quiser, ela pode quebrar qualquer barreira, porque ela assume a forma que ela precisa assumir. E ela se torna o que precisa se tornar para avançar’. Logo eu pensei: isso é o amor, é exatamente o que é o amor”.

Quando Elisa se une à criatura, na cena final em que ambos se encontram rodeados pela imensidão azul da água, a cicatriz no pescoço da moça agora possibilita que ela respire de baixo d’água. Ao mesmo tempo que a cena revela tal acontecimento, o sapato vermelho do pé esquerdo da moça cai lentamente e se perde na água, simbolizando a ruptura de Elisa com seus costumes humanos.

Guilhermo Del Toro não se preocupou apenas em criar uma trama poética, teve um cuidado em desenvolver os mínimos detalhes sobre como cada elemento pode transmitir todas as suas ideias sobre vida, morte, arte e amor. Com tantos elementos narrativos trabalhando em perfeita harmonia, entendemos porque “A Forma da Água” é o mais brilhante conto de fadas que o cinema já nos deu de presente.

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