Por dentro do seu armário

Parece simples pelo nome, mas o armário cápsula vai além do tamanho. O termo surgiu durante a década de 1970, com a estilista Susie Faux, quando ela criou o termo “The Capsule Wardrobe”, que definia soluções para se ter um guarda-roupa com peças atemporais e versáteis. Símbolo de confiança para mulheres, Susie, por meio de um desfile que partia de 7 peças básicas, mostrou que era possível misturar estilo e inovação.

Essa ideia se popularizou entre pessoas que defendiam um consumo de moda mais consciente. Hoje, ele funciona a partir de 30 peças, variando entre 40 e 50, alternando-as de acordo com a estação do ano.

A modelo Karine Padilha, 29, desenvolveu uma técnica própria e chegou em um número de peças adequado para seu estilo de vida. “Cada método trabalha com um número específico. Como o ‘essencial’ é algo muito subjetivo fica difícil definir uma quantidade, mas é necessário.  O método 33+2 propõe um armário com 33 peças + 2 peças trendy que podem ser trocadas ao longo dos anos através de uma manutenção consciente. Esse número serve como uma diretriz, podendo ser adaptado livremente conforme a necessidade de cada um. Para trazer sustentação ao método, eu desenvolvi a parte teórica, com métricas, considerações climáticas, um sistema de triagem, um sistema de manutenção, e a parte prática: O Planner conta com uma breve história do ‘Capsule Wardrobe’, exercícios de autopercepção que ajudam a pessoa a definir objetivos com o método, identificar seu life style, seus gostos e estilo(s), realizar triagem de peças e escolher uma paleta de cores para o guarda roupa”, diz.

“O método é um pouco diferente dos demais pois, foca na pessoa e não na moda em si. Eu normalmente falo para não esperarem dicas de moda nele. O objetivo não é ditar como o sujeito que adere à prática deve se vestir, mas fazê-lo perceber o que deseja usar”, ela complementa.

Dona do Instagram e do Blog “Minimalista”, criados para introduzir o conceito de armário cápsula, a jornalista Nati Bohrer, 34, conta sobre a importância de divulgar e de produzir esse tipo de guarda-roupa nos tempos de hoje. “Acho importante as pessoas saberem que existe outra forma de consumo. A partir do momento que você abre os olhos para isso, passa a se ver como uma curadora do seu próprio armário. Seleciona tudo com muito mais cuidado, porque sabe o que faz sentido estar ali. Sem dúvida isso vem ao encontro do discurso do consumo consciente e da sustentabilidade, tão necessários nos dias de hoje”.

“Eu ainda gosto de pesquisar o que é novidade, mas hoje não sinto pressionada a ter tudo. Sou muito mais meticulosa e atenta ao que eu realmente quero colocar dentro da minha casa. Me livrar dessa ‘necessidade’ é muito libertador. Me sinto muito mais dona de mim”, afirma Nati.

Minimalismo é no que o artista plástico Rafael Sanches, 27, proprietário do e-commerce “Filadelfio”, mais se inspira. “Desde o dia zero da marca a gente nunca colocou nenhum tipo de estampa ou rótulo, porque essa sempre foi minha convicção. Foi quando decidi que a marca carregaria esse propósito. O mais importante é a pessoa se sobressair na roupa, que olhem primeiro para o seu rosto e não para a roupa ou estampa”.

“O futuro da moda sustentável começa pelo armário cápsula. Hoje em dia, principalmente no Brasil, é muito mais caro produzir algo 1oo% sustentável do que produzir algo comum. É uma maneira a curto prazo de iniciar um propósito de consumo consciente e sustentável. Nós instruímos nossos clientes, mas é uma decisão pessoal que vai além da ‘Filadelfio’. Nossa coleção ajuda por ser coringa e versátil. Nossa missão é fazer as pessoas entenderem o que elas estão comprando e refletir sobre a moda ‘nesse espectro’”, explica Rafael.

É assim que a estilista Julia Zampini, 22, explica sua promessa de consumo consciente nas redes sociais, após perceber que precisava mudar seu consumismo. “O que eu faço é fazer as pessoas pensarem, mas não necessariamente as pessoas seguirem. Estou em uma promessa, ela é verídica, mas o estilo de vida ainda não. Meu armário está longe de ser um armário cápsula, mas gostaria que fosse”.

“Recebo um feedback no meu insta (onde compartilho minhas combinações com as peças que tenho) de meninas que gostariam de tentar e de meninas que estão tentando junto comigo não comprar mais nada por um tempo. Eu acho isso muito legal, porque quer dizer que elas se identificaram e que elas também querem mudar. Eu fiquei surpresa. Já postei algo e recebi mais de 100 respostas. As pessoas estão acompanhando, elas opinam e querem mostrar. Pretendo deixar essa sementinha da mudança” contou a estilista.

Julia ainda completa com uma dica do que funciona para evitar novas compras. “Toda vez que eu quero algo eu anoto no meu bloco de notas. Se eu ainda quiser depois de um mês, eu deixo na lista. Se eu não quiser mais quer dizer que não preciso, e que aquilo seria um consumo sem necessidade. Tentar diminuir o uso de redes sociais também é uma dica. Elas geram um desejo e a sensação do ‘preciso ter’. Mas o principal: não tenha medo de arriscar dentro do que você é”.

No começo de 2018, a publicitária e especialista em comportamento do consumidor, Mariana Herman, 33, criou o blog e o Instagram “Dona Herman”. Para falar com propriedade daquilo que publicava, ela buscou um curso de consultoria de imagem. Além disso, usou o armário cápsula durante um ano, mudando a forma de pensar do seu estilo.

“As pessoas têm muita vontade, mas muita dificuldade também, e não as julgo. Levei mais de 6 meses para fazer o meu. Quando olhei a quantidade necessária, pensei ‘vai ser muito difícil’. ‘Se eu não gostar eu desisto’, mas a realidade foi que eu amei. Achei incrível, usei tudo, teve peça que nem usei muito, achei que teria a sensação de repetição, mas isso não aconteceu. Mudei a forma de ver o meu armário”, explica. 

Para Mariana, a ideia de estar na moda é muitas vezes equivocada. “As pessoas acreditam que gente descolada tem muita roupa. Cada vez mais eu entendo que gente descolada é gente que tem pouca roupa e sabe fazer muito bem com as poucas peças que tem no armário. É fácil ter 2000 peças, é como uma loja. O difícil é ter pouco”. 

“O armário [cápsula] não é a solução, mas um meio, um ‘detox’. Ele é um possível caminho não a solução definitiva. Precisamos repensar o que a gente consome. Todo mundo deveria fazer pelo menos uma vez como experiência, para usar melhor o que tem nele. Busque marcas regionais que estão surgindo e compre roupas que realmente vão durar”, finaliza Mariana.

Foto: Karine Padilha