A emancipação dos cachos

Os fios naturais ganharam o coração das brasileiras que encararam o desafio da transição capilar 

A transição capilar é um processo que vai além da mudança de visual e se tornou símbolo de resistência e aceitação para muitas mulheres. Depois de anos danificando os fios com chapinhas e muita química, elas resolveram assumir o cabelo natural e com isso se posicionar contra a cultura do “liso perfeito”, o que criou uma nova forma de enxergar a beleza feminina.

 Por muito tempo os fios lisos foram vistos como exemplos a serem seguidos, embora a grande maioria das mulheres brasileiras fosse dona de cabelos crespos ou cacheados. Essa classificação social, do liso considerado mais bonito e arrumado, criou situações como as vividas pela estudante de Direito, Danielle Gomes, de 22 anos: “As coisas não são um problema até que alguém fale. Eu amava meu cabelo até as pessoas começarem falar sobre ele”.

 A influência externa é ainda mais drástica sobre os jovens negros e causa a omissão de toda uma herança cultural. “Sempre havia negado quem eu era, na verdade, muitos adolescentes negros passam por esse processo e precisam de uma auto aceitação posterior. A minha auto aceitação e a conexão com as minhas raízes se deu através do meu cabelo”, conta Thaís Espirito, estudante de jornalismo de 19 anos.

As etapas de uma transição se iniciam com a espera, para que o cabelo natural possa crescer em seu próprio ritmo. Depois de entender a textura dos próprios fios, é preciso encontrar os produtos certos para seguir os cuidados, que acontece com base na tentativa e erro. Nessa fase, os cabelos possuem duas texturas, a original na raiz e a afetada pela química nas pontas. Embora muitas mulheres escolhem realizar o big chop, um corte que retira toda a parte quimicamente tratada, não se trata de uma regra, ainda é possível tratar as duas partes do cabelo de formas diferentes até que o natural atinja o tamanho desejado. 

É um processo longo e gradual, pois a transição encontra dificuldades durante todas as etapas, como lidar com as mudança na rotina, a autoestima e enfrentar os padrões impostos pela sociedade. “Tem que ser algo que vem do coração da pessoa, porque é preciso muita firmeza para aguentar o processo. A transição não é algo simples e pode ser dolorosa”, afirma Thaìs. É considerada uma mudança completa, em que as mulheres alteram não apenas sua imagem exterior, mas a forma como se veem e as convicções que querem seguir.

Danielle comenta que costumava passar mais de uma hora para arrumar o cabelo e que não se sentia confortável em tomar chuva ou ir à praia, pois se preocupava com a exposição à água e com o tempo que levaria para arrumá-lo outra vez. “Ele aparentava ser saudável, era até bonito, mas tudo aquilo que eu usava nele era maquiagem. Hoje levo no máximo vinte minutos. É libertador!”, esclarece a estudante e acrescenta: “Eu passo semanas apenas no shampoo e condicionador e parece que acabei de hidratar”.

Padrões são quebrados e a liberdade é a nova moda, por isso elas sentem cada vez mais autonomia para definir suas próprias regras. Ao entrar em contato com sua natureza e enxergar beleza nela, muitas mulheres deixam os velhos hábitos sem olhar para trás. “Cada cacho que tenho é fruto desse sofrimento, então eu tenho tanto orgulho e tanto amor que simplesmente não sinto mais vontade”, conclui Danielle.