A liberdade por traz da desigualdade

133 anos da abolição da escravatura

A abolição da escravidão no Brasil marcou a história do país. Ela foi resultado de um processo longo, lento e com muitas lutas. O movimento contou com parcelas consideráveis da população brasileira, além de muita resistência por parte dos negros que estavam sendo escravizados, que desde a chegada dos portugueses no Brasil, em abril de 1500, foram escravizados por 388 anos. Apenas no dia 13 de maio de 1888, depois de muita luta por parte da popoluação e principalmente dos movimentos abolicionistas, a princesa Isabel, regente do país na época, assinou a Lei Áurea, oficialmente Lei n.º 3.253, para extinguir a escravidão no Brasil. A data e a ação não representam um ato de compaixão do Império, mas sim a luta e a resistência da população negra durante o período da escravidão. No final, os protestos surtiram efeito na coroa portuguesa, dando fim à escravidão no país.

Em mais de 500 anos de história, apenas em 133 anos os negros não foram escravizados no Brasil, sendo assim, o último país do Ocidente a abolir a escravidão. O professor Denilson Botelho, do departamento de história da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), coloca uma pergunta em destaque: “O que significam esses 133 anos de liberdade sem cidadania?” A pergunta do professor diz respeito a abolição dar liberdade, mas não dar igualdade. “Ninguém é livre se não dispõe de condições dignas para viver, o que inclui acesso à alimentação, moradia, transporte, educação, cultura, lazer e tudo o mais que compõe os direitos de cidadania”, comenta o professor.


Todos os movimentos abolicionistas no século XIX e as diversas leis criadas e aplicadas foram de extrema importância para libertar a população negra da escravidão. Entre as leis criadas, temos a Lei Eusébio de Queirós, que proibia o tráfico negreiro, a Lei do Ventre Livre, que declarava todos nascidos de mulheres escravizadas a partir de 1971 seriam livres e a Lei Áurea, que declarava extinta a escravidão no Brasil. Mas, mesmo com todas as leis, desigualdade social e racial continua muito presente na vida de milhões de pessoas no país.

Outro fator importante na luta contra a escravidão foi a pressão colocada pela Inglaterra sobre Portugal e Brasil, para proibir o tráfico negreiro, mas com um grande interesse econômico envolvido. Em 1831, a pressão surtiu um efeito chamado Lei Feijó, que proibia a importação de escravos no Brasil, mas mesmo assim, isso não foi suficiente. Em 1845, a Inglaterra tomou atitudes mais agressivas para acabar com o tráfico negreiro e decretou o ato Bill Aberdeen, que permitia os britânicos prender qualquer embarcação suspeita de transportar escravos no oceano Atlântico. Quando perguntado sobre intervenções externas para ajudar o país, Denilson disse que toda mobilização e pressão externa em defesa dos direitos humanos é sempre bem-vinda, intervenção não. “Caberá ao povo brasileiro, de forma autônoma, lidar com os desafios impostos por um longo passado de escravidão, tortura e mortes”.

Já o professor Clifford Welch, também da UNIFESP, aborda outra data de grande importância: o Dia da Consciência Negra. Para o professor, a data tira o conceito do governo ter acabado com a escravidão e criado a liberdade. Ele explica que “o reconhecimento do Dia da Consciência Negra tem uma possibilidade de uma base para enfrentar o racismo, pois você está reconhecendo o poder de fazer história que os movimentos antirracistas representam”.

Mesmo com a abolição da escravatura, a sociedade em pleno século XXI continua lutando contra o racismo para conseguir os direitos humanos. Denilson conta que a escravidão é um passado que as classes dominantes insistem em manter vivo e faz ligação com os recentes acontecimentos em Jacarezinho. “Quando a polícia apreendeu um arsenal bélico no condomínio de luxo Vivendas da Barra, no Rio de Janeiro, nenhum tiro foi disparado. Já na favela do Jacarezinho, onde vivem pretos e pobres, cometeram uma chacina”. Os eventos mostram como o racismo estrutural continua com forças na sociedade brasileira, agindo de diferentes formas entre as classes sociais do país.

Para o professor Clifford, o racismo que foi construído por meio do sistema de escravidão é bastante enraizado, com a desvalorização de pessoas negras. “Você encontra em diversos estudos, provas desse racismo, como os números de pessoas pobres serem negras e o número de pessoas excluídas do mercado de trabalho formal serem negras”.

A abolição da escravatura deixa uma marca enorme na história de milhões de brasileiros, que mesmo depois de 133 anos, ainda passam por momentos de dificuldade causados por uma mentalidade racista que vem da história do país.

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