A mulher por trás da pick up

Falta de espaço ainda é o maior desafio para mulheres na música eletrônica

 

Na última semana de agosto, morreu Sonia Abreu, a primeira DJ mulher a tocar nas noites paulistanas. Seu pioneirismo e vanguarda foram de extrema importância para a representatividade e para criação de espaços na música eletrônica brasileira. Além de levantar as discussões sobre o protagonismo feminino e as dificuldades da mulher na indústria da música eletrônica.

Sonia no começo de sua carreira

Com uma carreira iniciada na década de 1970, Sonia abriu muitas portas para a mulher dentro da música. Carolina Mattos, DJ há 4 anos, fala sobre a influência de Sonia em sua carreira. “Acho que a Sonia era muito ‘mão na massa’, e é um pouco assim que a cena brasileira funciona. Se não tem espaços, a gente cria, improvisa, vai fazendo e assim acontece. A Sonia fez festa em rua, em trio, tinha programa de rádio, abriu o próprio clube. Criou meios para a cena acontecer e se expandir e isso foi importantíssimo”, disse Carol.

 “Uma mulher tocando sempre incentiva outras a tocarem, é uma leva que se alimenta, é incrível isso. A Sonia foi muito corajosa e, com certeza, abriu espaço para muitas outras. Isso acontece até hoje. Quanto mais mulheres tocando, mais mulheres começam a querer tocar. Para mim, a Sonia também mostra que se queremos ser protagonistas, temos que ser donas de nossos próprios espaços. Já vi textos falando que ela sofria muito preconceito na época e imagino que isso a incentivou a ter a própria festa, clube, rádio. Mesmo hoje, eventos com curadoria feminina, espaços e festas conduzidos e idealizados por mulheres são importantíssimos para garantir que a nossa presença não seja uma ‘cota mínima’. Aquela única mulher no line-up (lista de quem toca) em um horário de pouquíssima visibilidade que está ali só pra não ficar feio. A mesma lógica acontece para artistas negrxs e LGBTQIA+”, menciona a DJ.

A vida da DJ

 

O contato com a música, desde cedo, inspirou Carol a entrar na indústria. Gravar CD’s para dar para amigos e tocar em festas fez parte da adolescência da atual estudante de produção musical. “Quando comecei a frequentar festas de indie em 2007, tive vontade de começar a tocar, porque queria ouvir as músicas que eu gostava nas festas, mas não tinha nem idade pra isso. Quando começamos a fazer as festas do MASTERp la n o, em 2015, praticamente só tinham DJs homens tocando no coletivo, então, isso foi um incentivo para começar”, explica a DJ.

 A festa “MASTERp la n o” começou após a iniciativa de um grupo de pessoas de Belo Horizonte que buscavam testar mixagens e videotecagem, além de acreditar no projeto como uma forma de juntar cada vez mais pessoas. Eles descobriram não estar sozinhos, quando 600 pessoas se interessaram na segunda edição do evento. E, até hoje, continuam a organizar e realizar eventos em alguns estados do país, sempre prezando pelo protagonismo feminino.

 Aos 26 anos, “rata da América Latina”, como ela se descreve, Carol fala sobre suas dificuldades e sobre suas esperanças tanto para a indústria como para os espaços conquistados pelas mulheres. “Acho que o mais difícil é lidar com a sensação de estar sendo constantemente analisada, de ter que provar ser realmente boa e superar as expectativas a cada apresentação. É muito difícil tocar com a pressão de que você não pode errar, porque esperam que você erre”, explica Carol.

Carol em seu ambiente natural

A DJ ainda menciona os assédios e atitudes machistas de personagens importantes na cena da música eletrônica como uma grande dificuldade que ainda é pouco mencionada quando discutimos o espaço ocupado pela mulher nesse cenário. “Ainda ouvimos por aí ‘música não tem gênero, o que importa é talento’, quando reclamamos desses line-ups inteiramente masculinos ou com cotas mínimas de mulheres, colocadas para tocar em péssimos horários”, relata.

Em meio a tanto retrocesso e preservação de antigos preconceitos, Carol mantém-se otimista quanto suas expectativas. “Tem muita melhora pra acontecer ainda, mas pelo menos agora eu sinto que temos mais liberdade para denunciar. É muito melhor tocar confiante, em espaços em que a expectativa é de que que você arrase. Espero que a cena eletrônica se transforme cada vez mais nesse lugar”.