As muitas metamorfoses de Grace Jones

 Androginia e rebeldia no mundo da eterna rainha da moda disco club

Uma figura geométrica, com cores vibrantes e visual futurista, veio ao mundo em 1948, em Spanish Town, Jamaica. Intitulada Grace Beverly Jones, a pequena menina vivia envolta de tradição e religiosidade, mas estava destinada ao completo oposto da sua realidade na época. Sua carreira passeia por diversos campos – desde modelo, produtora, cantora, atriz e letrista, por exemplo – mas todos com um denominador comum: total confiança em sua singularidade.

Permaneceu na Jamaica até os 12 anos, quando sua família decidiu ir para a região de Syracuse, Nova York. A mudança geográfica, junto à mudança da infância para a adolescência, apenas intensificou sua trajetória, tornando-se palco para a odisseia de sua liberdade. Seis anos após desembarcar na “terra da liberdade”, e já na Universidade de Artes Dramáticas, Jones de fato permite-se experimentar: adotando o cabelo Black Power, vivendo a cultura hippie, posando para a Playboy e até mesmo usando LSD.

Demonstrando seu poder, Jones já questionava muitas das coisas que lhe eram impostas, seja pela família ou pela sociedade. Segundo ela “(…) fiz as coisas pela emoção, pelo desafio, pelo fato de ser novo, não pelo dinheiro(…)”. Vale ressaltar que várias dessas coisas que fez pela emoção e desafio tornaram-se essenciais para a caracterização de sua persona.

Para ilustrar apenas uma das mais variadas e energéticas anedotas da vida dessa musa, ao final dos anos 1960, Jones era vizinha de Christiaan Houtenbos. O holandês é o cabeleireiro das estrelas, além de ter produzido as madeixas das super modelos presentes na icônica capa de Janeiro de 1990 da Vogue britânica “The 1990s What next?”. Pois bem, Houtenbos conta que Jones gritou seu nome pela janela e o deixou saber de sua vontade de mudar o cabelo. Por ser meia-noite, o cabeleireiro improvisou o corte de cabelo com as lâminas que tinha, e assim, nasceu o visual andrógino tão característico, evocado pelo flat top.

Flertando muito com esse visual duplo, finalmente os olhares se voltam a ela. Yves Saint Laurent a convida para desfilar em suas passarelas e torna-se uma das primeiras modelos negras a estampar revistas, campanhas publicitárias, e assinar um contrato musical.

Junto a isso, frequentou o clássico clube Studio 54, com shows carregados de excentricidade e regados à alta moda e provocação. Segundo Jones, “Quando me apresento no palco, me torno os homens valentões, aqueles dominadores da minha infância. Provavelmente é por isso que é tão assustador, porque eles me assustavam. Gosto de ser feminina, mas gosto de trocar de papel.”

Além de ser palco para toda uma geração avant-garde, o Studio 54 sacramentou Jones como a “eterna rainha da moda disco club”. Suas performances teatrais eram realizadas com a parceria de uma imagem extremamente bem definida, sendo os quatro pilares: o cabelo, a maquiagem, a vestimenta e a confiança de seu bom trabalho.

 

Seu estilo majoritariamente buscava a junção tanto do feminino (maquiagens que ressaltavam sua estrutura óssea, roupas reluzentes e coloridas) quanto do masculino (seu corpo musculoso, a icônica cabeça raspada e a personalidade forte, que para muitos, são coisas estritamente masculinas). Porém, apesar da androginia ser seu cartão postal, a influência e contribuição ao mundo fashion de Jones vão além. Nas décadas subsequentes, vestiu peças de ícones como Azzedine Alaia, Karl Lagerfeld e Gianni Versace, tornou-se musa de Thierry Mugler, além de ter contribuído ativamente para o movimento ‘power dressing’, estética que visava transparecer a eficiência, garra e profissionalismo feminino nos anos 80.

 

                             

 

Grace Jones sempre carregou aspectos considerados rebeldes e ultrajantes, e usufruiu de todos eles de forma magistral. Ao todo, resumir a história de uma figura tão ilustre em algumas linhas não faz jus a sua importância e merecida reverência. Se existem novos paradigmas fashion com a contribuição de Lady Gaga, Janelle Monáe e Beyoncé, por exemplo, é porque veio Jones e ousou questionar o status quo.

“Eu nunca vou escrever minhas memórias”. O título de seu livro já diz tudo que você precisa saber: ela não vai te dar o que você quer, mas o que você precisa. Ser uma lenda vida, que sabe seu próprio poder e não tem medo de arriscar há mais de 40 anos na indústria do entretenimento faz isso com você.

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