Cher e Bob Mackie: a criação de uma deusa moderna

o nascer mitológico de um pedaço da moda

A parceria entre Cher e Bob Mackie é fruto daqueles felizes, porém raros, encontros que dão origem a um universo de possibilidades. No caso deles, possibilidades mais brilhantes, mais divertidas e que, com certeza, incentivam uma geração de criatividade e entusiasmo. Ainda na década de 1960, Cher era uma jovem cantora de folk, junto ao seu então marido, Sonny Bono. Apesar do sucesso, Cher era considerada a parte que menos se destacava da dupla, muitas vezes tímida e com medo do palco. Ainda na mesma década, Mackie começara a pouco suas atividades no campo da moda. Primeiro como desenhista, e depois como assistente de figurino da Paramount Studios, graças a Edith Head (estilista e inspiração por trás de Edna Mode, de Os Incríveis).

E assim como Mackie teve sua própria “fada madrinha”, Cher também teve. Em 1967, a mente genial de Diana Vreeland – editor in chief da VOGUE – junto ao fotógrafo Richard Avedon, descobriu o talento da cantora para emular diferentes emoções e personalidades através de seu estilo. O que veio em ótima hora, já que assim como se repetiria ao longo dos anos, Cher precisava se reinventar. Em 1970, Fred Silverman – chefe de programação da CBS – propôs o The Sonny & Cher Comedy Hour. O sucesso foi tão grande que não somente foi encomendada mais uma temporada, como foi para o horário nobre da programação. E é nesse cenário que o encontro de almas – por assim dizer – entre a cantora e o estilista acontece.

Mackie comenta: “Eu estava fazendo os figurinos para The Carol Burnett Show, e Cher e Sonny eram convidados (…) Ela estava animada, cheia de energia e disse: ‘Um dia, quando tivermos dinheiro suficiente, quero ir ver você e você vai fazer algumas coisas para mim! A CBS me pediu para ter meu próprio programa, e eu quero que você faça isso!'”. E assim, a deusa em construção encontrou seu escultor.

Naturalmente, a profecia de Cher se concretiza, e todo o figurino de seu programa de variedades é assinado por Mackie, que criou looks atemporais. Combinando croppeds com saias longas, vestidos à la naked figure (sendo uma das primeiras mulheres a mostrar o umbigo na televisão), estampas e brilho por cima de brilho, a imagem de Cher era memorizada na mente do público. Paralelamente, o estilista ganhava cada vez mais notoriedade e vestia artistas como Elton John, Diana Ross, Tina Turner, Madonna e Rupaul, apenas para citar alguns. Sua identidade visual era reconhecida de longe, apostando na opulência de cores, nas joias, no movimento da peça. E assim recebe merecidamente o título de “O Guru do Glitter de Hollywood”.

No entanto, é importante lembrar que uma parte significativa do êxito, tanto de um quanto do outro, vem da inovação em suas respectivas áreas. Cher, ao adotar uma postura livre, opulente e autêntica, com seus longos cabelos pretos – relembrando a matriarca Mortícia, de A Família Addams -, sobrancelhas ultrafinas e semblante magro e definido, ditaram a moda. Já Mackie, com seu incrível bom gosto, transita com facilidade entre o elegante e o extravagante, deixando uma gama de admiradores à sua espera.

Apenas para citar um exemplo, em 1974, ocorria o Met Gala. Luzes, flashes e um despertar sexual iminente: a primeira aparição do famoso naked dress. A ideia não era nova para Mackie, sendo ele o autor do imortal vestido de Marilyn Monroe ao cantar Happy Birthday to You, ao presidente Kennedy. Composto por seda souffle – um material fino e delicado, na época proibido nos EUA -, o tecido foi colocado em Cher e borrifado imediatamente depois, para que grudasse na pele, e o aspecto nu fosse mais realista. A comoção foi gigantesca, seja por sua beleza e estética moderna, ou pelo ultraje dos mais conservadores. E claro, levando isso em conta, Cher o veste novamente, agora para a capa da revista TIME. A edição foi proibida em várias cidades, ao passo que foi vendida quase que imediatamente também.

Outros tantos momentos icônicos nasceram a partir dessa colaboração, como no Oscar de 1986, em que Cher foi duramente criticada por aparecer no red carpet com um vestido coberto de lantejoulas e penas de avestruz pretas. Para Mackie, a cantora apenas disse: ‘Eu não quero parecer uma dona de casa em um vestido de noite.’”, e assim o fez. Fato é, a essência é o que fica. E a essência da deusa do pop e do guru do glitter são muito facilmente notadas. Seja pela volta do look natural, a polêmica do vestido de Marilyn Monroe usado por Kim Kardashian no Met Gala, passando pelos longos e lisos cabelos negros, até a trend do TikTok para mostrar suas roupas, com a voz grave de Cher ao fundo, ‘Can I hear a little commotion for the dress? Now let’s hear it for the back of the dress!’.

Claro, Mackie fez outras tantas coleções e parcerias (como sua famosa colaboração com a boneca Barbie), e Cher vestiu muitas roupas, de muitos criadores fashion. Mas, em essência, são os dois que perduram. Não importa a roupa, Cher usaria se tivesse a assinatura de Bob Mackie, e não importa o quão inusitado fosse o pedido, desde que Cher o fizesse. Assim foi, e assim é por mais de 40 anos desde o primeiro encontro entre essas lendas vivas.

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