Fábrica de futuros femininos

Menstruação. Essa palavra te incomoda? Por muito tempo esse assunto tem sido um tabu na sociedade, embora seja um dos aspectos mais comuns da saúde feminina. Nossas avós não o comentavam, nossas mães tiveram que se virar com panos e, ainda hoje, algumas mulheres não têm acesso aos absorventes ou a informações sobre o assunto. “Absorvendo o Tabu” (Period. End of Sentence, 2018), ganhador do Oscar de Melhor Documentário de Curta-Metragem, retrata essa luta das mulheres contra a ignorância e estigma que cercam a menstruação, na Índia.

Uma das partes marcantes do curta, dirigido por Rayka Zehtabchi, é quando perguntam às meninas sobre o que é a menstruação. Algumas sequer conseguem pronunciar a palavra e é dolorido ver a vergonha no rosto de uma jovem estudante tentando explicar o fenômeno em frente à classe. “O motivo? Só Deus sabe. É um sangue ruim que sai da gente”, explica uma anciã. E a definição que os homens dão? “Uma doença que atinge principalmente as mulheres”.

Nas regiões rurais, a situação é ainda mais crítica. Os absorventes são considerados artigos de luxo, e quando comprados são entregues escondidos em folhas de jornal. A maioria das mulheres não têm acesso a eles. Como alternativa, elas utilizam panos velhos e pouco higiênicos. Deixá-los secando em público é impensável, então elas os usam de novo e de novo sem a higiene correta, com grande risco de infecções e outras doenças.

Não são poucas as meninas que largam seus estudos depois que menstruam e mesmo trabalhar é muito difícil, já que uma semana por mês elas não saem de casa. Algumas sequer podem cozinhar durante o período menstrual ou entrar no templo, porque são consideradas impuras. “O mais velho da casa diz que nossas preces não são ouvidas, não importa o quanto se reze”, conta uma jovem.

Em meio a esse ambiente hostil, uma máquina é instalada na aldeia de Hapur, próxima a Nova Déli. É uma máquina de fazer absorventes. E ela abre uma porta totalmente nova para as mulheres daquela comunidade. Seu inventor é Arunachalam Muruganantham, um homem que passou 15 anos trabalhando para criar uma forma simples das mulheres produzirem seus absorventes de forma barata e eficiente. O curta, em si, não menciona muito de sua trajetória, mas Muruga enfrentou sua comunidade, ameaças, e o abandono de sua família durante o processo de pesquisa e criação do absorvente biodegradável.

Depois de treinadas, as mulheres da aldeia abrem uma pequena fábrica. Logo, além de terem acesso ao absorvente, elas ganham sustento, o respeito dos homens da comunidade e a oportunidade de realizarem seus sonhos. A simples montagem da máquina naquele lugar forçou as pessoas a encararem um tabu, e construiu um mundo de possibilidades para mulheres de todas as idades.

A Índia pode parecer uma realidade distante, mas a história se repete aqui também. Quantas mulheres de áreas remotas, ou não tão remotas, do Brasil, não têm acesso a algo tão básico como conhecimento e absorvente? Por que preservativos são distribuídos de graça em estações de metrô, mas não absorventes? A produção questiona o tabu da sociedade indiana, mas ele não está tão distante assim do nosso dia a dia.

O curta foi concebido por um grupo de estudantes de menos de 16 anos em Los Angeles e foram elas que arrecadaram dinheiro para doar a máquina ao vilarejo. Daí surgiu o The Pad Project, que arrecada recursos para instalar mais máquinas dessas ao redor do mundo. “Absorvendo o Tabu”, foi o primeiro documentário feito pela diretora e ganhou o Oscar de 2019. O curta-metragem tem menos de 25 minutos e pode ser assistido na plataforma da Netflix.

Foto: Reprodução