Hoje me olhei pelo reflexo da janela do metrô e me vi adulta

De baldeação em baldeação, não sei o porquê, mas algo mudou em mim

Hoje me olhei pelo reflexo do vidro do metrô e me vi adulta.

Nada extraordinário havia acontecido. Estava voltando para casa após a aula como faço desde que era adolescente, mas me vi adulta. Olhei ao redor e percebi que não era mais tão distinta dos outros adultos do vagão.

Não sei ao certo o porquê de tamanha conclusão. Com certeza, não foi a minha altura, afinal, três centímetros não tornam alguém adulta. Também não deve ter sido alguma possível mudança em meu estilo, já que até a mochila é a mesma que uso desde o ensino médio. Subi as escadas com a pressa de uma boa paulistana e me perguntando como algo tão recorrente em meu cotidiano poderia se tornar algo tão significativo.

Parece até que foi ontem que aprendi a andar de metrô somente dois dias antes que os túneis de São Paulo se tornassem a minha rotina. E de baldeação em baldeação, a cada porta abrindo e outra fechando, a cada alarme soando e a cada passo apertando, fui tantas Letícias que nem sei ao certo explicar — e mal pude reparar.

Já ri alto com as amigas durante todo o percurso e também já fiquei ouvindo músicas no canto do vagão. Ora tentava tirar fotos conceituais nas estações e ora me apertava entre estranhos para não perder o horário. Às vezes fugia de olhares preocupantes de desconhecidos e, por vezes, tropeçava em senhorinhas por não alcançar as barras no teto.

De repente, não pude evitar notar que deixei de ser a Letícia que aproveitava o caminho de volta para atualizar as novidades entre amigas e passei a ser a Letícia que tem conversas aleatórias e muito interessantes com pessoas cujo nome se perde em memórias.

Certa vez, conversei com duas garotas muito espontâneas. No auge de seus seis e oito anos, não eram capazes de ficar quietas — muito menos paradas. Sentaram-se ao meu lado. Em meio a esbarrões e broncas de seu cansado pai, comecei a conversar com elas. Analu e Isabel eram divertidas e simpáticas, curiosas e brincalhonas. Após algumas estações, desceram e me deram tchauzinho até meu trem partir e sair do raio de suas visões.

Logo em seguida, uma doce senhorinha ocupou o tal lugar que ficara vago. Recheada de histórias e de sabedoria, não fui capaz de guardar seu nome ao certo, mas guardei um pouco do que me contou. Cuidando de 14 crianças em sua própria casa, a senhorinha que não conseguiu gerar seus próprios filhos não deixou de ser mãe. Carinhosamente chamada pelas crianças de “Vó”, ela tinha consciência de que todas as crianças — cada qual com suas necessidades — precisam, acima de tudo, de amor e carinho.

Em meio a tudo isso, quase não falei nessas ocasiões — porque a história não era mais só sobre mim. De uma hora para outra, o mundo se mostrou muito maior que o meu drama adolescente ou o da minha amiga. A minha opinião não era mais a coisa mais importante, talvez o meu silêncio recheado de significados que fosse.

E talvez isso seja ser adulta: entender que o meu mundo existe, mas o do outro também. E que talvez todos esses mundos possam se encontrar em vagões de metrô. Será que isso é crescer?

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