Intangibilidade Humana

Embora não fosse tão tarde, a rua parecia deserta. Os postes de luz banhavam o asfalto úmido, desenhando linhas âmbares pela escuridão. Pude perceber os sinais do outono chegando, enquanto o vidro à minha esquerda começava a embaçar graças à diferença de temperatura. Talvez eu devesse ligar o aquecedor.

O lanche permanecia no mesmo lugar onde deixara alguns segundos antes, sobre meu colo. Caixas de batata frita vazias cobriam o chão e os refrigerantes suavam levemente sobre os porta copos.

O silêncio pairava de forma constante desde que a última palavra fora dita. A música vinda do rádio era audível, porém não suficientemente para que tomasse qualquer resquício de minha atenção.

Sentado no banco do passageiro, nosso personagem secundário parecia incomodado. Suas pernas inquietas faziam o carro balançar e a expressão em seu rosto era desesperadora. Ainda me lembro de como sua sobrancelha arqueada tremulava por consequência de seu nervosismo.

Interessante como o corpo reage ao sentimentalismo exacerbado ou sequer qualquer resquício genuíno de emoção. Qualquer tentativa de comunicação baseada em honestidade e responsabilidade afetiva é assustadora. Colocar em palavras aquilo que não se pode ilustrar.

Como podemos falar com tanta convicção sobre coisas que sequer entendemos?

A intangibilidade das emoções e sentimentos humanos não passam de um pesadelo decorrido da óbvia contradição lógica ao tentar expressar aquilo que não existe de forma concreta ou, ao menos, verossímil à qual percebemos.

Seria aquela a expressão completa do medo de ser honesto? De deixar as barreiras caírem? De ver um coração falar sua verdade?

Por que sentir tornou-se algo tão perigoso?

Crescer diante de uma perspectiva de que qualquer um é capaz de despedaçar seu coração em questão de segundos. Proteger a todo custo a “verdade” que constantemente nos assombra com os inúmeros “E ses”. Falar como realmente nos sentimos tornou-se uma decisão de proporções catastróficas, um fardo a ser carregado visando preservar tudo que conhecemos como realidade.

Enquanto isso, mundos inteiros são criados em nossa imaginação. Dimensões paralelas onde fomos corajosos o suficiente para dizermos o que pensamos e, ao meu ver, uma falsa tentativa de conviver com o seguinte fato: não sabemos quais serão as consequências a serem enfrentadas quando as palavras que guardamos, de forma profunda dentro de nós, forem ditas em voz alta.

As primeiras gotas de chuva começaram a cair. E assim que o canudo começou a reclamar sobre a falta de líquido entre os cubos de gelo, pensei: “Talvez eu devesse, de fato, ter sido honesto”.

4 thoughts on “Intangibilidade Humana

  1. Estou apaixonada por esse texto, me senti tão envolvida com as palavras que esqueci tudo que estava ao meu redor, parabéns pelo texto incrível!!

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