Narrações em faixas

Na música, os álbuns conceituais são fontes de grandes histórias

Livros, filmes, seriados e fotografias são algumas das mais diversas formas de contar histórias e a música também é uma delas. Seja para manifestar sobre importantes questões sociais ou para relatar algo mais íntimo, passar uma mensagem específica por meio de faixas, melodias e instrumentos envolve o artista em um grande projeto conceitual.

Quando se fala de “álbum conceitual”, é importante ressaltar que ele não é um estilo único. Cleber Facchi, 30 anos e crítico musical, explica as diferenças por meio de dois grupos: “O primeiro talvez seja no estilo de conceito, de propor ou quebrar uma ideia ou de discutir um paradigma dentro dessa temática no disco”. Para esse tipo de trabalho, Cleber dá como exemplo o álbum “Tropicalia ou Panis et Circencis” (1968), criado pelos artistas Caetano Veloso, Gal Costa, Gilberto Gil, Nara Leão, Tom Zé e Os Mutantes. “Ele era um disco manifesto, então tem um conceito de absorver o que era feito no rock lá fora, trazer para o Brasil e utilizar elementos nacionais, e conceitualmente reapresentar esse rock de um jeito muito brasileiro”.

Capa do álbum ‘Tropicália ou Panis et Circensis’ — Foto: Reprodução

Já o segundo formato é justamente o narrativo, que faz do álbum um verdadeiro livro melódico. “Cada música vai servir de passagem para a canção seguinte, e ao final desse disco tem uma história completa”. De acordo com Facchi, esses trabalhos costumam ser bem avaliados pela crítica especializada e quando o público aprecia o índice de vendas tende a ser alto, como o “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band” (1967), dos Beatles, citado por Cleber: “É um disco mega experimental que reposicionou os Beatles nos anos 60”. O crítico ainda complementa que esse álbum conceitual se trata de uma banda fictícia discutindo assuntos com temáticas psicodélicas em meio ao Verão do Amor em 1967 e 1968.

Capa do disco ‘Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band’ — Foto: Reprodução

Utilizar a música para fazer narrativas não é algo que se iniciou no mundo contemporâneo, até porque o ato de contar histórias sempre esteve presente na relação da humanidade com a comunicação. Facchi relembra a época dos grandiosos concertos de músicas clássicas, em que as pessoas que frequentavam esses eventos geralmente eram acompanhadas de um folhetim com um poema contando a história por trás da peça, como “As Quatro Estações” (1723) de Antonio Vivaldi. “Ele parte de uma estrutura que vai narrando primavera, outono, inverno e verão a partir de uma linguagem, tem um texto por trás disso para além da música”.

De Beethoven a Emicida, a experiência do público com a música foi construída de acordo com contextos históricos e demandas sociais, principalmente após a consolidação da indústria fonográfica, em 1930 e 1940, como conta Cleber. “A partir da década de 70, quando temos a explosão do rock progressivo, em que os trabalhos são um pouco mais bem executados, musicalmente trabalhados e completos, volta a ter esse desejo de resgatar essas narrativas”, completa. Todos esses trabalhos como “Crônicas da Cidade Cinzenta” de Rodrigo Ogi, que tornam-se verdadeiras obras primas, mostram o potencial de comunicação da voz e da melodia.

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