Quando a música atinge novos sentidos

Bandas e cantores utilizam suas canções para demonstrar descontentamento ou apoiar causas diversas

Entre as inúmeras formas de protesto existentes na cultura popular, a música é uma ferramenta bastante usada nesse sentido. Nas últimas décadas, cantores e bandas se notabilizaram por imprimir críticas sociais e políticas em canções, além de se tornarem símbolos de manifestação para o grande público.

Mas, apesar de ser uma característica presente na música contemporânea, esse aspecto já existe no campo musical há mais tempo do que se imagina. Segundo Paulo Castagna, professor, pesquisador e musicólogo, esse tipo de canção já é feita há muitos séculos: “Na Idade Média, já existiam canções de conteúdo político como as cantigas de escárnio e as cantigas de mal dizer, e talvez fossem praticadas até na Antiguidade. No caso brasileiro, já existia algum conteúdo político nos lundus do início do século XIX, mas esse conteúdo acentuou-se ao longo do século XX, em períodos de grande tensão social e política”.

No Brasil, a ditadura civil-militar, iniciada em 1964, causou o surgimento de várias obras que contestavam a opressão desse regime. Cantores como Geraldo Vandré, Chico Buarque, Elis Regina, entre outros, colocaram críticas sociais explícitas ou implícitas em suas composições. Essa postura de protesto seguiu adiante nos países sul-americanos que passavam por regimes autoritários nessa época. “Na Argentina e no Chile, berço dos maiores grupos e cantores dedicados à música de conteúdo político na América Latina, foi enfatizado o folclore local, ao passo que nas maiores capitais brasileiras da década de 1970 predominava a MPB. Porém, o uso de ritmos afros e nordestinos foi feito em muitos casos”, afirma o musicólogo. Ainda segundo Paulo, gêneros diferentes foram privilegiados em determinados períodos históricos para esse tipo de composição: “No Brasil dos anos 1970, a MPB foi o principal substrato da música política, nos anos 1980 o rock nacional assumiu esse protagonismo, entregue na década de 1990 ao rap e somado nas décadas de 2000 e 2010 ao funk”, comenta.

No contexto internacional, diversas bandas foram responsáveis por mundializar suas críticas e seus protestos. A Inglaterra, a partir da metade do século XX, presenciou bandas como Beatles e Pink Floyd se posicionarem em assuntos políticos e acompanhou a ascensão do punk rock inglês, movimento fortemente crítico à política neoliberal de Margaret Thatcher. Nos Estados Unidos, artistas como Marvin Gaye e Nina Simone cantaram contra a Guerra do Vietnã e a favor dos direitos civis dos negros, um dos movimentos mais relevantes entre as décadas de 1950 e 1960.

Hoje, artistas continuam utilizando esse artifício para se posicionarem diante de assuntos sociais. Mas para Paulo Castagna, esses protestos atingiram novos locais e temas. “Diferentemente do século XX, no qual o protesto foi praticado pelos músicos do mainstream das rádios e emissoras, atualmente, isso é feito principalmente por artistas de grande impacto popular e ligados a comunidades específicas, como os rappers Emicida, Criolo e Mano Brown. Mas ainda existem compositores de herança MPB que escrevem obras magistrais, como Álvaro Gribel”, exemplifica.

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