O Bom do Amor

Autora: Nanda Pimentel

O bom do amor não é só sentir frio na barriga; se apagar da realidade; viver nas nuvens; costurar beijos molhados; voar com os pés no chão; distrair-se das diferenças e viver com o olhar impregnado de corações saltitantes. O bom do amor não é só o chinelo para o pé descalço, nem só o enrosco no edredom; nem mesmo só a companhia para ver qualquer coisa no Netflix e alguém para dividir a pipoca; tampouco apenas um corpo para salivar a alma num dia chuvoso.

O bom e a graça do amor é saber construí-lo. Devagarinho. Com paciência, zelo e habilidade. A graça de amar é dispor de toques de algodão doce, ainda que o gosto esteja com sabor amargo. Porque o amargor vai vir. O bom do amor é entremear as doçuras e ranhetices costumeiras com diálogos coloridos, a cada vírgula mal colocada. A cada frase mal digerida. A cada sopro e sinal de fumaça cinza.

A graça do amor é se encher de energia para preencher aquele vazio e distanciamento de um olhar torto. É se aconchegar no buraco dos traumas que, certamente, em algum momento, emergirá entre os lados do sofá. É tomar o lugar do controle remoto, as rédeas do café que esfriou, entrelaçado nos dedos já sem forças e, suavemente, aquecer a pele e as palavras com um tanto de dedicação.

Para fazer uma relação de fato acontecer, e não apenas fazer parte de paixonites agudas e sem sustância, você vai precisar ter coragem, olhos e pés em punho, coração disposto e muita calma na alma para saber recuar quando se desencaixar. Para saber perdoar quando o erro vier. Para saber ser amor quando as pedras rolarem. Para poder receber e agradecer por estar do lado de cá, do peito e do silêncio de quem, fatalmente, ainda que sem querer, irá te magoar num dia ruim.

O bom do amor é decidir amar todos os dias. É se embebedar de paz numa manhã azul. Ou ter que buscar a mesma paz e um chá quente numa noite cinza.

Amor amadurado. Sem meia boca, meias verdades, meio tempero. Amor de construção, com direito a tijolo, cimento e sentido. O bom do amor é amar. Decididamente. Todos os dias.

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