Quem calou a rainha?

Vivienne Westwood, monarquia e anarquia

Em uma pequena ilha fria, existia uma rainha com deveres e obrigações. Acostumada a fazer muitos discursos, a rainha sempre aparecia para seu povo com vestidos elegantes e respeitosos, sinônimos de sua formalidade e tradição. Um dia, porém, a rainha foi calada pelo mais comum dos objetos: um alfinete. Quem calou a rainha? A mãe da moda punk, Vivienne Westwood.

Vivienne nasceu durante a Segunda Guerra Mundial, no interior da Inglaterra, com mãe costureira e pai lojista. Aos oito anos teve a primeira aula de corte e costura, aos doze viu a coroação da Rainha Elizabeth II e aos dezessete embarcou para a capital para estudar na Universidade de Westminster, mas largou um semestre depois por julgar não ter talento para as artes.

Tornou-se professora primária e vivia uma vida relativamente comum na Inglaterra de Tatcher, até que o encontro com Malcolm McLaren despertou sua total inclinação para o mundo da moda e do punk. Como resposta à política conservadora da época, o punk se tornou um movimento de contracultura, vindo da cena underground. Pregava o anticonsumismo, a anarquia e o antitotalitarismo, aspectos que muito agradavam Westwood, sempre subversiva e obstinada.

Estilista em ascensão, Westwood precisava de uma imagem direta que representasse seus princípios, e assim a icônica logo da orbe real envolta nos anéis de Saturno nasce. Como primeiros clientes, Westwood começa a idealizar o figurino da banda punk Sex Pistols, fazendo-se valer do DIY (Faça Você Mesmo) e customizando ternos, tingindo e cortando camisetas, criando palavras de ordem e, claro, estampando blusas com a boca da rainha presa por um alfinete, junto à letra da música “God Save The Queen”, paródia da perfeição monárquica.

Como uma boa transgressora fashionista, Westwood sabia da importância da cultura jovem, da questão de gêneros nas roupas, e decidiu romper todas essas convenções propositalmente. Ela abre sua loja em 1971, nomeando-a de “Let It Rock”, com influências teddy boy. Em 1972, a loja passa a se chamar “Too Fast To Live, Too Young To Die”, com influências rock ‘n’ roll, e em 1974 transforma-se na icônica boutique “SEX”, com roupas inspiradas em BDSM & Fetish wear.

Dez anos depois da estreia de sua loja, Westwood criou sua primeira coleção “Pirate”, levando o neo romantismo inspirado no século XVIII às passarelas e consagrando seu nome na crítica e no público. Em 1985, o que seria uma de suas maiores coleções ganhou o mundo, a Mini Crini. Totalmente inspirada no final da época vitoriana, em que muito se usava a crinolina (armação em formato de gaiola para dar mais volume às saias) e o corset, Westwood repagina esses modelos e inaugura o underwear como outwear.


A virada do século também foi uma importante virada de chave na vida – e carreira – de Vivienne. Fechou parceria com a Melissa, que durante o São Paulo Fashion Week de 2008 anunciou os calçados Mary Jane e o Ultra Girl. Em 2012 transformou a cerimônia de encerramento das paraolimpíadas em um desfile-manifesto batizado de “Revolução Climática”, em 2014 uniu-se ao Greenpeace para promover a campanha “Save The Arctic” e explicou ao The Guardian que “a mudança climática, não a moda, é agora a minha agenda”.

Westwood nomeia em 2016, Andreas Kronthaler – parceiro da estilista desde 1993 – diretor criativo da marca que se guia pelo lema “compre menos, escolha bem e faça durar”. Quatro anos mais tarde as jóias e corsets da coleção “Mini Crini” retornaram ao mainstream pelo desejo de um mundo mais fantasioso e exuberante, resultado direto do inverso da realidade de 2020.

As roupas destroyed, a estampa xadrez, o letrismo nas camisetas, até estilistas como John Galliano e o filme Cruella (2021) tem como inspiração a imperfeição, a revolta e a vanguarda da moda de Vivienne Westwood. Toda a vida da dama britânica foi inspirada no antigo para revolucionar o novo, e mesmo que ela tenha partido em 29 de dezembro de 2022, sua total irreverência, desafiando sempre a lógica do lugar-comum , e tendo verdadeira aversão à caretice, vivem para sempre.

 

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