Reflexões por meio do olhar

Era um dia chuvoso ali na avenida mais extensa e movimentada da capital paulista. Os guarda-chuvas floridos, listrados ou monocromáticos esbarravam uns com os outros. Pneus de carros passando pelo asfalto molhado e passos acelerados na calçada seguindo para os dois lados. E, no meio daquela turbulência comum da vida urbana, eu estava andando até o metrô.

Desci quatro degraus, parei no cantinho e fechei o guarda-chuva de flores azuis rapidamente. Continuei a descida até que no meio da escadaria me deparei com uma cena que inflamou os meus sentidos e meu coração: um homem, de roupas sujas e barba grande grisalha, estava de joelhos, com as mãos juntas como se estivesse rezando. Talvez ele realmente estivesse. Seus olhos eram profundamente tristes, mas sem lágrimas. Sua face era sofridamente enrugarrada, era muito mais que algo natural do envelhecimento. Ele não falava, nenhuma palavra saia de sua boca. Seu olhar já dizia tudo.

Fiquei atônita por algum tempo e, enquanto eu olhava tristemente a posição daquele senhor, muitas e muitas pessoas passavam apressadas por ele como se não houvesse ninguém ali. Não era possível, será que só eu estava enxergando aquele homem? Quando foi que perdemos a sensibilidade de perceber o outro?

Um desconforto tomou conta de mim e o tempo parecia estar congelado naquele momento, e me perguntei porque aquele ser humano, e tantos outros, estavam naquela condição. Sim, eu sei dos contextos históricos e sociológicos, mas isso não significa que cenas como essas irão fazer sentido para mim, pois no meu interior habita um incômodo avassalador sobre viver em um mundo que não é acolhedor para todos.

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