Uma via de mão dupla

 

A criatividade é cada vez mais vista como um diferencial mercadológico que deve ser explorado.

 A Economia Criativa existe para enfatizar a interdependência entre dois setores, superficialmente distintos, mas intrinsecamente correlacionados: economia e criatividade. Definida entre diversas vertentes, o Brasil opta pela visão do autor e pesquisador inglês, John Howkins. Seguindo essa linha de pensamento, a professora Letícia Gonçalves Diniz, 48, define o termo como uma forma de atribuir gestão ao criativo, e criatividade à gestão. “A primeira grande coisa da Economia Criativa é entender que a criatividade é um ativo que deve ser despertado, redescoberto e estimulado nas gerações que estão em desenvolvimento”, diz. “A ideia da economia criativa é entender que a criatividade pode e deve ser um ativo financeiro. Um diferencial criativo”, ressalta.

A vertente de Howkings divide o setor em quatro grupos de atuação: Consumo (moda, design, marketing publicitário), Mídia (editorial e audiovisual), Cultura (artesanato, gastronomia, folclore, patrimônio, música, artes cênicas) e Tecnologia (games, robótica e  “pesquisa e desenvolvimento”, em geral). Letícia, por sua vez, enxerga a cultura, não como um quarto grupo, mas algo transversal.

A professora acredita na criatividade enquanto uma característica intangível que está em todos nós, nasce com a gente e pode ser estimulada ou desestimulada. A estimulação, ou a ausência dela, é, muitas vezes, uma consequência cultural, que vem desde o núcleo familiar, e pode ser influenciada  até mesmo pelos próprios valores adquiridos enquanto indivíduo pertencente à uma nação. De modo geral, o “criativo” é um fator primário para iniciar um segundo processo de grande importância econômica e mercadológica: a inovação.

Ainda que o termo “Economia Criativa” seja recente, o desejo por inovação é histórico. Por isso, é comum percebermos o empenho das grandes empresas em renovar-se constantemente. Inovar consiste, basicamente, num processo de criar ou aprimorar algo já existente. Para isso, a criatividade é essencial. “Se sou um criativo e sei gerir mercadologicamente a minha criatividade, eu sou um inovador. Isso gera licença, patente, registro. No brasil, quem cuida disso é o INPI”, acrescenta Diniz. Mercadologicamente, ela enfatiza, o setor empresarial se encontra num impasse: como fazer para ser inovador, se existe uma tendência para a contratação de pessoas que seguem um mesmo padrão e que não se permitem agir fora disso? Se essa célula de inovação não for criada, esse diferencial competitivo também não será.

Parece distante a ideia de sustentar-se financeiramente em função do artístico, em qualquer uma das suas formas. Esse setor econômico, portanto, é também um escape para essa regra. “Os criativos precisam aprender de onde vem a sua criatividade, como estimular e, principalmente, a gerir (o tempo, a quantidade de insumos, custos fixos e variáveis) para que se possa ter o que há de melhor: viver da arte que se ama”, diz a professora.

Letícia explica que, no Brasil, as políticas públicas ligadas à Economia Criativa estão abaixo dos ministérios e das secretarias da cultura. Em outras nações, há ministérios próprios de EC, pois já entenderam a importância da criatividade como ativo financeiro, seja como gestão, ou como viés de incentivar os criativos a gerarem economia própria. Aqui, não existe um mesmo peso entre as palavras “Economia” e “Criativa”. É preciso entender que é uma via de mão dupla. 

Na aplicação prática, ela destaca que, enquanto professora, o seu maior desafio é “explicar gestão para os criativos, de uma forma que eles não se sintam repelidos. Por outro lado, as empresas precisam ensinar os seus gestores a serem mais criativos, com reuniões mais produtivas, liderança criativa, etc.”, conclui Letícia.