Vítimas de uma sociedade invisível

O labirinto místico da selva de pedras esconde, não somente embaixo das pontes, como também em esmagadora maioria das vias e vielas, aqueles que não têm mais poder sobre si e que o destino quis trapacear da maneira mais cruel. Seres humanos em situação de rua. Quem passa ao lado, no passo apressado, sempre atrasado, sempre correndo, sempre sem tempo, sempre precisando chegar em algum lugar, apenas repara, mas não para. Vê e não enxerga. A realidade alheia é demasiadamente alheia.

“Não tenho dinheiro”, “Agora, não”, “Estou com pressa”. As mais variadas desculpas proferidas por uma população regida pelo consumismo, que não tem um pingo empático de dedicar um tempo das 24 horas diárias a fim de dar atenção aos invisíveis, que padecem pela fome, mas acima de tudo, pela ausência de um nome. Estes nasceram marcados pela fuga dos olhares, pelas súplicas ignoradas e, desde já, com a terra da vala comum.

Anos sombrios, divisões políticas e o povo vai às ruas.  Cada um lutando pelo que acredita, militando por sua orientação partidária, no anseio de tornar o Brasil, um país melhor. Mas a militância, porventura, esquece que o amor não está somente na bandeira que levanta e nem na igreja que prega. O amor é uma expressão, por vezes racional, de humanidade. O amor é a forma mais nobre de fazer o bem sem querer algo em troca. O amor, segundo Maria Bethânia, é tão longe e a dor, tão perto.

Já o individualismo é gritante, tão gritante quanto os grafites. Tão alto e ensurdecedor, que remete às hélices do helicóptero que giram à procura de um pobre desvairado, ou apenas giram para locomover a alta classe às coberturas dos edifícios. Giram tão depressa quanto o relógio, que marca o término de mais um dia de trabalho para uns e o fim de uma luta diária por um mínimo de dignidade para outros.

Porém nada é absolutamente ruim ou irreversível. A criatividade humana (em especial, brasileira) em tempos ruins é pioneira no setor terciário. O comércio dos mais variados produtos e alimentos, provenientes da Terra do Nunca (ou Nárnia, nunca saberemos) mostra a versatilidade de um povo, que não vê barreiras na tentativa de dar a volta por cima e garantir o pão e leite da família, enquanto os “gatos” fazem o serviço que a prefeitura não disponibiliza, pelo menos, não de graça.

Ninguém tem culpa. Somos vítimas. Vítimas indiretas de um sistema que funciona desde o século XIII e que propaga o desenvolvimento pessoal acima de tudo e acima de todos. Um sistema que abandonou as incoerências dos regimes românticos, iluministas e disciplinares e adotou o sistema de controle, o capitalista.

Este que te prende em 20 anos acadêmicos e 50 laborais. Este que te faz dormir às onze e acordar às seis, com o consolo do final de semana. Este que te faz precisar de terapia constantemente para se adequar ao regime. Este que te mostra o quão insuficiente és e o quão precisa evoluir para ser alguém e, quiçá, comprar o que tanto almeja. Este que faz com que as relações, os momentos, as lembranças e a esperança girem em torno de cifras.

Se é tão difícil para quem tem, aparentemente, tudo, ou apenas quer aparentar ter tudo. Imagina pro caboclo que dorme no banco torto da Rebouças e raspa a tampa da marmita ao meio-dia. Ou para as moças e moços do parque, que vendem carne macia e pronta para o consumo imediato. Tudo em prol de conseguir uns míseros trocados e tentar fazer parte dos excludentes, abandonando o patamar de excluídos.

A passagem são quatro reais. O almoço custa 20. Uma moto tem três zeros; um apê, pelo menos quatro. Até para morrer tem que pagar, e por falar em morrer, que Deus, Alá, Buda, Maomé, Alan Kardec, Oxalá, Iansã e Babalorixá nos perdoe. Mas daqui ninguém vai pro céu.

Foto: Adriano Miranda

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