A arte dos presidiários

O projeto que levou o crochê da penitenciária para as passarelas

As penitenciárias brasileiras não são conhecidas pelo seu poder de reinserir uma pessoa na sociedade, mas, de vez em quando, um projeto se sobressai e mostra que o que falta para os detentos são grandes iniciativas e vontade de mudança. Um desses projetos inovadores é o ‘’Ponto Firme’’ do estilista e designer-artesão, Gustavo Silvestre, que deu as caras novamente no São Paulo Fashion Week, sobre o tema “Qual é sua utopia?”, no último sábado 27.

O projeto que nasceu em 2015 na penitenciária guarulhense Desembargador Adriano Marreey, com o objetivo de profissionalizar os detentos, dando formação técnica e artesã, abriu os caminhos da arte e da moda para quem já via portas fechadas há muito tempo.

O ‘’Ponto Firme’’ oferece aulas de três horas, duas vezes por semana para ensinar as técnicas do crochê, com variados níveis de especialização. Por meio do curso, os detentos recebem certificados para a remissão de pena após a participação, com uma produção que varia desde roupas e chapéus até bonecos de personagens.

Foto de divulgação das peças do desfile

Em abril de 2018 a coleção dos presidiários teve a primeira oportunidade de desfilar no São Paulo Fashion Week, seguido da exposição das peças da coleção no Memorial da Resistência, com o tema de ‘’cotidiano na cadeia’’. Porém, antes das passarelas paulistanas a coleção passou por um desfile na própria penitenciária, para amigos, detentos e participantes do projeto, recheado de lágrimas, emoções e correria.

“Quando eu entrei já estava completamente emocionado. Tive que me segurar. Veio uma força não sei de onde. Engoli o choro para estar forte e poder dar suporte a esses caras, porque eles estavam muito emocionados. Foi muito emocionante, não sei nem descrever, não aterrissei ainda”, disse Gustavo em entrevista para a revista VICE.

Foto de divulgação da revista VICE do desfile dentro da penitenciária

Desafiado por Igor Rocha, gestor educacional da unidade, Gustavo aceitou a proposta de inserir as cores do crochê dentro do cárcere. Segundo Igor, a arte é essencial para a reconstrução da autoestima dos detentos. Ela permite a ressocialização e o desenvolvimento da concentração por meio de terapias manuais.

Para o professor doutor especializado em execução penal, Dr. Alexis Couto de Brito: ‘’As estratégias de ressocialização podem ser as mais variadas, envolvendo trabalho, estudo ou quaisquer outras atividades com as quais o condenado possa aderir ou se beneficiar. O trabalho e o estudo permitem ao condenado um aprimoramento de suas qualidades e isto, muitas vezes, pode influenciar em sua retomada social. Ou, no mínimo, colaboram para que cumpra a pena e retorne o mais rapidamente ao convívio’’.

Alexis ainda afirma: ‘’O projeto ‘Ponto Firme’ mantém o condenado integrado à sociedade a que ele de fato pertence. A realidade que ele tem no sistema não se parece em nada com a vida que leva livremente. Toda atividade que mantém os laços sociais deve ser incentivado’’.

No sábado, o desfile do projeto contou com o tema ‘Oportunidade’ que discutia nas passarelas a necessidade de abrir os horizontes dos detentos a partir dos processos de ressocialização.

“Os aprendizados com crochê dentro do presídio oferecem uma nova perspectiva aos alunos. Aqueles que ganham liberdade têm oportunidades de reinserção na sociedade por intermédio também do desenvolvimento da técnica manual. Temos exemplos concretos de alunos que ganharam a liberdade e tiveram notoriedade por desenvolver peças e participar de importantes eventos de moda.”, disse Gustavo para o site Promoview.

Gustavo auxiliando um dos modelos, também aluno do projeto