“No outono, no inverno, eu espero primavera chegar”

Foto: Fastcompany Ampareme Upworthy Newsworks

O dia era cinza. A chuva tomou conta do que um dia foi sol. Era o penúltimo dia de inverno. Frio, triste, sem muita graça, a não ser as roupas que pareciam mais arrumadas. Ainda assim, a melancolia aparecia. Levantei, me alentei e saí para viver um dia como outro qualquer.

O metrô me esperava, no mesmo lugar. O relógio me mostrava que as horas estavam ultrapassadas. Cada estação era uma balançada de perna. Finalmente! Desembarquei na estação desejada, segui meu caminho.

Subi a longa Itambé e virei na Maria Antônia. Passos largos e apressados mostravam o atraso. Estava em busca da entrada do Mackenzie nessa mesma rua. Encontrei-a fechada, por algum motivo.

Peguei o celular da bolsa para mandar mensagem, mas a abordagem de certo senhor não me permitiu esse feito. Suas feições eram tristes, sua fala continha choro e suas mãos mantinham-se para cima como se não quisesse cometer nenhum crime, apenas pedir algo.

Levei um susto, guardei o celular e por um minuto pensei que seria assaltada, mas o sentimento de culpa logo me inundou.

Seu nome era Gilson, ele tinha problema de pele e por viver na rua não tinha uma higiene necessária, apenas queria tomar um banho e escovar os dentes. Na nossa frente, tinha uma farmácia. Ele olhou para dentro do local, me olhou de volta e me pediu os produtos básicos para se limpar.

Olhei para o relógio e me senti egoísta por estar preocupada com a hora. Observei suas feridas e o seu desespero por algo que não era supérfluo, mas que, ao mesmo tempo, era absurdo.

Vi a precariedade de perto naquela manhã. Entrei na farmácia e comprei o que ele tinha me pedido. Encontrei Gilson do lado de fora encostado em um muro agradecendo aos céus, aquele ainda cinza, mas que para ele havia um pouco de cor agora. Entreguei uma sacola em suas mãos com tudo que era necessário e vi um sorriso amarelado, imperfeito, mas sincero surgir.

Ele foi embora e eu fiquei parada, olhando-o desaparecer através da miopia. Dei meia volta e, enquanto subia a Itambé mais uma vez, pensava no propósito daquela portaria estar fechada e Gilson estar parado justamente ali. Nada é coincidência, assim eu acredito.

Na segunda, o sol raiou, cumpri minha rotina da manhã e saí para o mesmo local de todos os dias: Mackenzie.

Andando em meio às árvores, uma pétala caiu em meus ombros, mostrando a chegada da estação das flores. Olhei para o chão. Um tapete de pétalas amarelas formava um caminho gracioso e, ao final desse caminho, encontrei Gilson. Em suas mãos, a sacolinha daquele dia. Ele andava e vez ou outra olhava para o alto, necessariamente para as flores que surgiam ao longo do caminho.

Não quis incomodá-lo, mas observei sua feição: gratidão pela chegada do pouco da primavera em meio ao inverno da sua vida. O homem, que me constrangeu com sua rotina, continuou caminhando, balançando a sacola em cada passada, talvez satisfeito com um banho e a escovação dos dentes. Uma baita lição para mim.

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