Totó: sinônimo de paz

Entrei no meu quarto e observei o quadro como um todo. As luzes alaranjadas fruto do crepúsculo incendiavam o ambiente por meio da janela de vidro, a cama estava feita e todo o restante estava razoavelmente arrumado. Um detalhe me chamou a atenção. Meu cãozinho dormia serenamente em cima da cama. Um cachorro pequeno de pelo macio e branco feito a neve. Imediatamente, achei engraçado o conforto dele. O sono de Totó me fez lembrar do meu dia atarefado, cheio de trânsito, reuniões, caos e até uma certa agitação, que mesmo depois do expediente, eu ainda podia senti-la.

Ele dormia tão profundamente que, enquanto eu caminhava em direção ao espelho, me assegurei de não fazer nenhum movimento brusco ou barulho que pudessem interromper seu momento de descanso. Queria eu dormir em paz profunda distante de toda muvuca, foi o que pensei. Pelo reflexo do espelho, observei sua respiração tranquila. Continuei olhando o quarto e o laranja que emanava do sol pelas paredes. Admirei como tudo estava tão calmo e como aquela sensação de organização me trazia conforto.

De repente, tive um pensamento que me perturbou. O mundo ao meu redor era calmo e eu era a bagunça que interrompia a paz de dentro do meu próprio lar? Encarei meu rosto no espelho. Linhas de expressão, pele ressecada, olheiras e um terrível ar de cansaço pela face inteira. Tentei sorrir, mas não parecia nada natural. Eu tinha sido engolida pela minha rotina. Eu não culpo o meu trabalho, as horas de trânsito ou qualquer coisa do tipo. Apenas tinha me esquecido de olhar dentro do meu interior.

Caí numa reflexão intensa diante do espelho, com certeza fruto do cansaço. É fim de ano, sou diretora de vendas em uma empresa em São Paulo, uma das maiores companhias do setor financeiro, sou jovem e bem sucedida. Mesmo com toda calmaria do quarto, eu ainda podia sentir a movimentação constante do trigésimo oitavo andar. Ouvia um zumbido constante no ouvido e sentia que a qualquer hora alguém iria me ligar para discutir ações ou o preço do dólar. Eu podia cantarolar a música do toque do celular em um ritmo ansioso.

Olhei-me de novo. Eu parecia, pelo menos, sete anos mais velha. Sentia dores na coluna. Olhei o reflexo do Totó novamente. Era sexta-feira à noite. Tomei a decisão de desligar o celular e dormir. Sem interrupções ou qualquer coisa que me despertasse. O cachorro era minha âncora, ele me trouxera a paz que o caos me tirava. Eu queria abraçar o mundo e resolver todas as pendências do trabalho. De fato, eu resolvia, mas acabava perdendo a mim mesma no caminho. Totó me tirou da tempestade e raiou o sol em minha vida. Observei-o e um sorriso surgiu naturalmente em meus lábios. Pude sentir paz. Aconcheguei-me ao lado dele, acompanhei sua respiração e dormi como ele, em sono profundo de descanso.

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